29 dezembro 2005

« Depois das nuvens, somos o medo. Debaixo da pele, somos o medo. »

Ficámos a noite inteira acordados, à espera do passarinho que vem de manhã cantar-nos ao parapeito. Nunca desejámos tanto que ele chegasse…
Deitámo-nos em cima da cama e recusámo-nos a tirar as roupas. Quisemos dormir com os perfumes colados às camisolas e aos cabelos.
Pensámos melhor e nem chegámos a querer dormir, para não os esquecermos. No dia seguinte já nada sabe da mesma forma. Não quisemos dormir, para não termos de chegar ao 'dia seguinte' inconscientes de tudo. Para não termos sequer de chegar...
Fechámos os olhos e chorámos, e sorrimos. Agarrámo-nos a um coração de fingir e recordámos cada letra e cada som. Sentimo-lo a escorregar-nos pelas mãos e chorámos, sem poder fazer nada.
Procurámos morangos, debaixo da cama e dentro dos roupeiros, e a única coisa que encontrámos foi um quispo. Vermelho, também... Aproveitámo-lo, apesar do efeito não ser o mesmo. Aqueceu, mas os sorrisos não foram muitos.
Passámos a noite inteira acordados, com um quispo vermelho a aquecer e a salientar os perfumes e as saudades.
Quisemos corpos, quisemos gente. O vazio assusta. A falta de passarinhos a cantar nos parapeitos, também...
Pegámos num espelho e ficámos a olhar para um reflexo de olhos verdes. Olhámo-lo e falámos-lhe. Ele não reagiu.
Olhámos para o espelho durante tanto tempo que ele nos roubou a alma, como nas histórias de encantar. E os olhos verdes passaram a cinzento. Cada vez mais cinzentos e baços.
Quisemos sair pela janela, ao encontro de outros braços que não os nossos. Mas descobrimos o corpo como um peso demasiado forte, incapaz de ser erguido.
Descobrimos um coração em forma de A, dentro de nós. Abraçámo-lo e nem fomos capazes de entender.
Leve leve leve...
Quisemos chamá-lo e dizer-lhe coisas que não se sabem escrever. Quisemos chamá-lo e não lhe dizer nada. Tocar-lhe e pedir-lhe para ficar.
' Um dia, tens-me sempre que quiseres. E pedes para eu ficar e eu fico. '
Quisemos fazer daquela noite esse dia.
Quisemos sentir a porta a abrir-se e alguém a movimentar-se no escuro.
Ficámos a noite inteira acordados, à espera dum passarinho que nunca chegou.
Não fechámos os olhos. Nem vimos o 'dia seguinte'.

(O erro? Bateram-nos à porta... E eu abri-a.)



/me on (a falta d)o canto dum passarinho no parapeito...

10 dezembro 2005

tudo começa com a música.

- posso cantar-te uma música?
- podes.

e é assim que tudo começa. com uma música.
nem que seja na minha cabeça. nem que seja pelos meus lábios gretados e pela minha voz cheia de falhas. nem que seja pelo ritmo dos teus dedos a baterem na minha mão.
se te calares consegues ouvir... cala-te. ouve. vês?
tudo começa com uma música.

a música importa, claro que importa. já passou a altura em que a música não tinha qualquer importância. agora, lê-se corações pelas letras das músicas que guardam.

deviam matar-me os olhos, sabes. e os pés, que caminham sempre para o lado errado.
e a voz. deviam matar-me a voz. para não poder cantar nunca mais.
para nunca mais fazer começar.

mas há sempre mais uma guitarra. há sempre mais uma nota perdida. e há sempre mais uma mochila com vozes cosidas e remendadas.
há sempre mais uma melodia colada aos ouvidos.
é aí... onde tudo acaba e (re)começa.

deviam matar-me os sonhos, sabes.
deviam coser-me os ouvidos e costurar-me o coração.
despregar as estrelas do tecto e pisá-las, no chão.

mas já não há ninguém capaz de tirar a música do repeat...


- gostaste?
- gosto sempre...



/me on The Cure

01 dezembro 2005

' As pessoas que gostam de palavras nunca incomodam... '

Tenho Letras espalhadas em cima da mesa. E não sou capaz de formar palavras com elas.
Dou por mim sentada, em frente à mesa, com as mãos postas no A mais próximo. Há um R ali, ao canto da mesa, mas eu nem o consigo alcançar... (Mas eu nem me consigo alcançar...)
Tenho os olhos postos num amontoar de Letras. Sem ligação ou alinhamento ou ordem, entre elas.
Nenhuma brilha. Nem mesmo o N, de Natal. Ou o L, de Luz.
Letras baças, espalhadas em cima da mesa. E a minha mão a tocar num A qualquer.

As (minhas) Letras nunca tinham pousado antes, na mesa ou no chão. Colavam-se ao tecto, ou às paredes, e ficavam a piscar muito. Até me obrigarem a ir buscar buscá-las, e juntá-las. Às vezes, voavam. E eu tinha de saltar, até as conseguir agarrar. (‘A felicidade não nos cai nas mãos. Apanhamo-la nós.’)
Agora, tenho Letras espalhadas em cima da mesa. E eu nem sou capaz de as ordenar...

‘Porque não deitas essas letras fora, Rita?’
Como se fosse possível deitar-me fora, como se fosse possível deitar-Nos fora...
‘Essas letras fazem doer?’
Não. Faz doer (já) não as saber juntar. Faz doer não entender. Faz doer não saber se se tem de chorar tudo duma vez. Ou se se tem de sorrir tudo o que há para sorrir.
Pontos de interrogação também fazem doer. E finais. Pontos.

Tenho Letras e Pontos, espalhados na mesa. Há um R rodeado de pontos de interrogação, escuros escuros escuros. E há um ponto final vizinho dum A, branco branco branco (frio frio frio...).
Tenho as mãos geladas, coladas ao A mais próximo. Não, não é fixação ou paixão. É só o efeito das unhas pintadas de vermelho. (Porque dizer que, além das unhas, o coração também está pintado de vermelho, é dizer que já nada faz sentido...)

Vermelho foi sempre só mais uma forma de Vida. De gritos e risos estridentes. (‘Estúpidas maneiras de tentar chamar a Vida, quando ela já se escapou, não é...?’)
Que seja.
A importância foi-se embora, juntamente com o brilho das Letras.
As mãos gelaram e já nem o vermelho aquece.
Já nem o guarda-chuva canta.
Já nem a chuva dança...

Vou deixar os pontos e as dúvidas. Os pedaços dum M, amachucado e rasgado.
Vou atravessar a noite e bater à porta que se fechou com um gato preto no colo e um sorriso de despedida.

- Posso entrar...?
- Claro... As pessoas que gostam de palavras nunca incomodam...



/me on Tori Amos - Winter

20 novembro 2005

Chuva.


Andei pelas ruas cinzentas da cidade, com um guarda-chuva encarnado, a chamar pela chuva. As madames que me ouviram a saltitar por entre as pedras da calçada, vieram às varandas. Chamaram-me de tola e comentaram umas com as outras que chuva nesta altura do ano só servia mesmo para lhes estragar os penteados, feitos pelo requinte da cabeleireira do bairro. (‘As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas.’ Pobrezinhas.)

Saltitei entre as pedras até me doerem as pernas, até me doerem os pés. Até estar muito longe de casa e já não haverem madames em varandas ou nuvens em janelas. Saltitei até ao fim de tudo. E como me cheirou a molhado voltei para trás, andando devagarinho...
Andei tudo de volta e continuei a chamar a chuva, baixinho. Como só eu e ela somos capazes de me ouvir.
Voltei a passar pelas madames, que continuavam nas varandas. Mandaram-me para casa, que não é bonito uma menina ficar a andar sozinha pelas ruas cinzentas. Não levantei os olhos das minhas botas e continuei a caminhar devagarinho. E a chamar pela chuva.

Andei por ruas cinzentas, com um guarda-chuva encarnado, até o céu deixar de ser azul. E, à porta de casa, roubei uma flor à vizinha. Daquelas amarelas, do canteiro da frente. Que me perdoem, mas foi ela que chamou por mim! Eu só a libertei da terra, que teimava em prendê-la, e a pus atrás da minha orelha. (‘O amarelo é forte, eu acho.’)

Quis lá eu saber das botas sujas e do jeito cansado! Entrei em casa, sem fechar o guarda-chuva encarnado, que continuava a sorrir para todos. E nem repararam... Mas as pessoas grandes são mesmo assim. Não entendem o sorriso de uma criança, o que se dirá do sorriso de um guarda-chuva encarnado... Eu bem o vi a sorrir. Eu bem o vi a sorrir mais, à medida que o céu deixava de ser azul.
As pessoas grandes não viram. As madames e as nuvens não viram.

Subi até ao meu quarto. Está escuro, porque estive a chamar a chuva. É sempre assim...
Há um buraco no tecto. Há uma árvore crescida, com raízes que rompem do chão. É grande e forte. Num dos seus ramos há um baloiço. Fui eu que o pus lá. Duas cordas que descem do ramo e um banco de madeira fazem o meu baloiço. É giro porque posso ficar a baloiçar-me nele o tempo todo, sem tocar com os pés no chão. Não tem mal as minhas pernas serem compridas, a árvore puxa sempre aquele ramo mais para cima, conforme a minha vontade de voar.
A árvore cresce para lá do meu tecto. Daí o buraco. Fui eu que o fiz, para ela poder crescer. Não me apetecia nada ter uma árvore encolhida.
Os ramos e as folhas e as flores continuam para lá do meu quarto, bem mais para cima do buraco do meu tecto. Já olhei muitas vezes para o alto e nunca consegui ver o fim da árvore. Talvez ela chegue às nuvens. Um dia, tenho de trepá-la para ver onde me leva...

Andei pelas ruas cinzentas da cidade, com um guarda-chuva encarnado, a chamar pela chuva. E ela chegou.
Eu fico sentada por baixo do buraco do tecto, numa das raízes grossas da árvore, que rasgam o chão. O quarto vai ficar alagado e a minha mãe vai aborrecer-se. A culpa é minha. Fui eu que andei a chamar a chuva, até ficar cansada. Mas o guarda-chuva encarnado está tão satisfeito...
Eu também estou. Tenho os cabelos a escorrerem e as mãos geladas. Mas não tenho os pés molhados. O meu pai bem me disse que estas botas eram boas para a chuva.
A árvore começa a cantarolar baixinho. A água rega-a, pelo buraco do tecto, e mais cedo ou mais tarde ela há-de florir.
Eu levanto-me e pego no guarda-chuva encarnado. Danço e giro pelo quarto e ele dança e gira comigo. Sorrimos os dois, e eu solto uma gargalhada ao cairmos tontos no chão.

Tenho uma flor amarela, atrás da orelha, que me diz para não parar.
Tenho um guarda-chuva encarnado que só é feliz quando molhado pela água que cai do céu.
Tenho uma dor no coração que só alivia quando a chuva dos olhos Dele se junta à chuva dos meus olhos...




/me on Yann Tiersen - La Valse d'Amélie
Tixa, na fotografia.

30 outubro 2005

Lágrimas.


Está a chover. Está a chover tanto... E eu não consigo parar de pensar que são as tuas lágrimas que caem do céu. E eu não consigo parar de pensar que és tu, sentado naquela nuvem grande e cinzenta, a chorar...
Guardo cada gota de água que cai do céu naquele frasquinho de vidro, onde ficava guardada a compota de morango. Como se te limpasse as lágrimas do rosto... Como se as visse crescerem-te nos olhos cansados e as matasse, antes de as deixar suicidarem-se algures pelo teu pescoço.
Já tenho cinco frascos cheios de gotas de água. Cinco. E não pára de chover. E não vai parar de chover... A nuvem grande e cinzenta está cada vez mais escura... Cinco frascos cheios de lágrimas. Tuas. E não vais ser capaz de parar de chorar...
Já só tenho mais um. Um último frasco de vidro, onde guardava a compota de morango. Sei que o vais encher de lágrimas. E, quando ele começar a transbordar de gotinhas brilhantes, não terei mais frasquinhos de vidro. Já não serei capaz de te guardar. De te colar, de novo. Vou deixar-te desfazeres-te em gotas de água. Geladas. E brilhantes.
Vão cair no chão e perder-se de Nós. Vais perder-te. Eu vou perder-te. A terra vai engoli-las. A terra vai engolir-te... E os meus seis frasquinhos de vidro onde, noutros tempos, guardei compota de morango, não significarão nada.
Seis fracos. E chove tanto que precisaria de mais seis. E mais seis. E mais seis... Para te ter por inteiro. Para, mais tarde, tos entregar e dizer: ‘toma, estás aqui’.
Tenho as mãos molhadas. De ti. Diluis-te em mim. Gelado. Como se nunca sequer tivesses sido a parte mais quente de mim... Em mim.
Chove tanto... Dentro e fora de Nós. E a dimensão de todas estas gotas de água a caírem do céu é igual ao que sinto por ti. Grande demais para caber em seis frascos de vidro, onde se guardava compota de morango. Grande demais para me caber no peito...
Um dia, também eu me hei-de desfazer em gotinhas brilhantes. Mas quentes. Um dia, também o que sinto por Nós será grande demais para me caber no coração e irá transbordar para fora dele. E, nesse dia, a nuvem que está hoje cinzenta ficará cor-de-rosa.
Está a chover. Está a chover tanto...

Pára de chorar, meu amor. Já morreste demais por hoje. *

26 outubro 2005

Perdi-me. No Branco. Sem fim.

Perdi-me num branco sem fim.
No branco duma folha de papel. Escondida no branco dum envelope, dobrado. Perdido no branco duns lençóis amarrotados. Entre o branco de quatro paredes, com ouvidos e vozes. (Pilares do branco do tecto, do branco dum céu... Sem estrelas nem sonhos.)
Perdi-me num branco.
De bom. E de mau.
De beijos e bofetadas.
Pancadas psicológicas que fazem sangrar. Dum vermelho de vida. Ou de morte.
Perdi-me no branco duns olhos baços. Baços e mortos. Mortos e frios... Duma apatia contagiante. Duma apatia sufocante.
Perdi-me num branco sem fim.
Duma mão branca e fria, que me tapa os olhos, todas as noites. O branco duma mão. Pequena e gelada.
Logo a mim... Logo eu... Que me tinha habituado a umas mãos grandes. E quentes. E quentes. E quentes...
Perdi-me no branco de um labirinto. Feito de muralhas cor de nada. Rodeadas dum branco espalhado em flores. Cobertas do branco dum orvalho matinal.
Perdi-me. Da tua mão. Do teu quente. Do teu corpo, feito de reflexos brilhantes e coloridos em noites escuras.
Perdi-me num sonho. Branco. Apagado. Pelo branco duma borracha que apaga sonhos, em segundos. Que apaga sorrisos. Com motivos e vontades.
Perdi-me num branco sem fim.
Um branco que consome. Que engole vida e a cospe logo a seguir, sem ligar importância.
Perdi-me. Branca. Fria. Num nada qualquer.
Logo eu... Logo a mim... Que só queria perder-me em ti.

Oh, meu amor... Onde está o branco em Ti?



/me on Explosions in the Sky

14 outubro 2005

Sou um arco-íris a preto e branco.

- Não te devias vestir assim toda de preto.
- Porquê?
- És o arco-íris, lembras-te...?
- Sim, a preto e branco...

05 outubro 2005

Branco branco branco

Ele aparece, sempre, quando já estão todos a dormir. Abre a porta e entra, sem pedir licença. Talvez ele saiba como gosto de rugir um ‘não’ enorme, a quem se põe aos murros contra a porta calando a música que sai das paredes (brancas brancas brancas). Então, nunca bate. Abre-a, entra e volta a fechá-la. E eu nem sei como é que ele consegue... Porque acho que nunca dei nenhuma chave daquela porta a ninguém. Mas ele tem uma. E gosta de dar voltinhas com a chave na porta, para a trancar, quando já está do lado de cá. E depois guarda-a num bolso pequenino, escondido algures num casaco duma tonalidade triste de verde...
Vem sempre com uma folha de papel, na mão (branca branca branca). Mete-a num lugar qualquer do chão e abre a gaveta onde está guardada uma caixa de lápis de cera. Da primeira vez que veio, demorou muito tempo a encontrá-la. Abriu e fechou todas as gavetas até encontrar a caixa. Desarrumou tudo e nem pareceu muito preocupado. Agora, já sabe onde a guardo. E eu até já pensei em mudá-la de sítio. Mas ele era capaz de se cansar de brincar às escondidas...
Com a sua folha (branca branca branca) e os meus lápis de cera, ele ocupa um espaço qualquer do chão. Como se este quarto fosse muito mais dele do que meu.
Ele não deve gostar de cadeiras. E eu entendo-o bem... O chão sempre me soube muito melhor.
Quando ele vem, eu também costumo estar sentada no chão. Com os olhos pregados a um céu pintado de branco (branco branco branco...)...
Ficamos os dois no chão. Que me parece ficar, sempre, mais quente quando ele começa a desenhar...
Ele é pequenino e tem sardas no nariz. Acho que tem o cabelo meio ruivo. Não tenho a certeza... A luz já é sempre pouca, quando ele vem.
Não fala. E a música pára, enquanto ele agarra nos lápis e os pressiona, com força, contra a folha.
Quando acaba, levanta-se e guarda a caixa com os lápis de cera na gaveta. A folha... deixa-a no chão.
Tira a chave do bolso pequenino e abre a porta. Vai-se embora e eu, do lado de cá, ouço a chave a dar voltinhas, do lado de lá.
Entra e sai. Calado. Sempre.
As paredes (brancas brancas brancas) estão a ficar revestidas por desenhos que um menino pequenino faz e deixa no meu chão, todas as noites. Arco-íris e nuvens cô-de-rosa... Com um menino igual a ele e uma menina (igual a mim?) de mãos dadas, na relva.
Esta noite, ele só utilizou o lápis vermelho. No meio naquele branco todo da folha, só fez um pontinho vermelho. Um ponto. Quente... Saiu e eu não ouvi a chave às voltinhas, do outro lado. A porta ficou aberta... E eu não sei se o que oiço é a voz dele a chamar-me...

30 setembro 2005

.

E eu nunca fui muito de gritar... Mas, às vezes, já nem me reconheço...

19 setembro 2005

People are Strange.

Sinto-me cansada.
Estou, mais uma vez, sentada no chão. É estranho eu nunca me ter habituado a cadeiras. É estranho, também, ter frio e não querer ir buscar um casaco. Se calhar, estou só à espera de me constipar. Para ter uma razão para poder ficar fechada neste quarto.
Levantei-me cedo demais. E só depois é que percebi que este foi só o primeiro de muitos dias escuros que ainda estão para vir.
Tenho os olhos fraquinhos. Acredito, realmente, que agora os óculos não me iriam fazer mal nenhum. Os números, lá ao fundo, estão cada vez menos nítidos. E eu nem sei se isso me importa.
Dias passados a lembrar coisas antigas tornam-se, sempre, esquisitos. Sorrio, ao lembrar-me dum boné, dumas mãos nos bolsos e dum olhar quieto. E a seguir rio-me sozinha, a pensar numas pernas abertas e num caderno riscado, numa aula de Química. É estúpido ter saudades das aulas de Química, das segundas-feiras. Mas eram as únicas em que me ria e sussurrava sempre baixinho (acho que para mim mesma) ‘oh, aparece. não faltes. senão isto fica chato...’. E ele aparecia, sempre. Depois lembro-me de cachecóis pretos e grandes, enrolados à volta de dois pescoços gelados. E de mãos esquisitas. E de gritos histéricos. E de olhos fechados com muita força, para não poder vê-las. E dos risos à volta... Sorrio muito sozinha, a lembrar momentos perdidos num tempo qualquer que eu nem soube reconhecer como bom ou mau. Mas depois acaba sempre a 'viagem', com palavras tolas que me acordam. Mas o sorriso já não desaparece.
Saudades é uma coisa esquisita. Acho que nunca soube muito bem lidar com elas. Nem com ausências ou distâncias. Não importa, elas existem sempre de qualquer forma...
Não dá para acreditar. Mas é giro... Imaginam-me a dar aulas de Filosofia, à sombra daquela árvore grande da escola. E a cantar coisinhas, com toda a gente sentada na relva. Térérés no cabelo e uma boina qualquer na cabeça. All Star nos pés. E guizos e mais guizos. «Ah, e um rádiozinho a tocar The Cure! 'Friday I'm in love!'» Sons. E cores. Um futuro de cores, foi assim que ela mo descreveu. E nem me pareceu nada mal...
Mas viver é uma coisa esquisita. E eu dou por mim com duas bolinhas brancas, pequeninas, ao meu lado. Mais tarde ou mais cedo, acabo sempre por as engolir. Agora, fazem-me dormir. E eu prefiro assim, a ter de pensar demasiado no que me acontece a cada minuto que passa.
Tenho frio. Mas não vou buscar um casaco.
Estou cansada.
Vou dormir. Este chão já me conhece tão bem...


/me on Coldplay

16 setembro 2005

Um Deus. Ou um deus... Oh, adeus.

Desde ontem que as paredes já não são tão brancas. Estão cobertas de desenhos e palavras que não fazem sentido aos olhos de ninguém. Os príncipes estão lá. E as flores também. As mãos não. Porque estão demasiado aqui. Comigo. Em mim... Não as quero perdidas naquele branco angustiante... Como se já nem voltassem...
Ofendi um deus que todos veneram. Ofendi-o e pus tudo em causa. Odiei-me e odiei-o. Insultei-o. Disse-lhe coisas feias e pedi-lhe que me viesse buscar, duma vez por todas. É preferível morrer duma vez, a morrer assim aos bocados e sempre mais um bocadinho a cada dia. Um dia vai mesmo tudo acabar, não é...? Nunca pensei pôr em causa fés e crenças. Não mesmo. Chamava sempre por ele, quando isto acontecia... Porque sempre o achei bonzinho e amigo. De todos. Sempre achei que era mágico. Quase tão mágico como os que moram atrás do arco-íris. Ou mais, até. Pensava que, possivelmente, ele até poderia ter um barrete comprido, na cabeça, com um sininho na ponta...
Sim, ele é mágico. Se calhar, é um feiticeiro. Podia pôr-nos a sorrir, se quisesse... Ou então, podia emprestar-me o barrete dele. Para eu poder ser mágica, de verdade.
Não fui capaz de lhe pedir ajuda. Achei-o mau. Disse-lhe que ele devia estar a fazer-me isto só para se poder ficar a rir de mim, lá de cima. De mim e de todos. Porque a vida é uma puta. E as idades, agora, nem têm nada a declarar. Porque o 6 é só o 9 virado ao contrário. 16 é 19. 19 é 16. 1989, 1986. Nasci em 1989, mas é como se tivesse nascido em 1986. Entendem? Oh, não importa...
Eu pensei sempre que não fazia sentido existirem só pessoas. E nada mais. Porque é um pensamento egoísta. E seria mau demais isto, ao fim e ao cabo, resumir-se apenas a pessoas. E mais pessoas. Tem de haver alguém lá em cima a comandar os céus e as nuvens. Elas não podem ficar escuras e molhadas sempre que lhes apetece. Tem de haver alguém a dizer-lhes quando podem ou não molhar esta gente toda. Eu sempre achei que era assim. E continuo a achar. Só que, agora, já não sei se ele, lá de cima, é bonzinho. Ou se é mau.
De qualquer das maneiras, quem pode comandar nuvens pode ser o que quiser... Não é?

13 setembro 2005

« És sítio onde as mãos se dão... »

[O post que se segue é comprido e sem qualidade literária absolutamente nenhuma. (Nem sei ao certo o que isso significa...) Mas apeteceu-me deixar de falar sozinha, só por um bocadinho. (Continuo a falar sozinha, de qualquer das maneiras... Não é? Pois é.)]

Perdi o amor pelos números. E, agora, também pelas letras. Eu costumava gostar muito de letras. Porque são assim todas diferentes umas das outras. E, algumas, enrolam-se nelas mesmas. Se calhar, para se aquecerem. Não sei. Mas é bom podermos ter a oportunidade de juntar meia dúzia de letras e criar a palavra ‘mãos’. Porque mãos são uma coisa bonita, mesmo. Eu gosto de mãos. Gosto mesmo. Gosto de dedos a brincar, uns com os outros. E de tardes inteiras deitados na relva, de mãos dadas. Mas não é uma coisa rápida. É devagarinho, sabes? Porque acho que os nossos dedos são um bocadinho envergonhados. Mas, no fundo, são esfomeados também. E, quando se juntam, já não se largam mais. Mãos quentes com mãos frias. Porque as minhas mãos são frias. Como eu. ‘Mãos frias, coração quente’, disse ele. Mas não sei. Eu já nem sequer o sinto. Ao meu coração, entendes...? Deve ter congelado ou assim.
Descobri que ainda há coisas bonitas. É por isso que estou com tanto medo de voltar. Tenho medo de me esquecer dos cheiros e dos sabores. E medo de deixar de sentir um dedo indicador a bater na minha mão, enquanto marca o ritmo duma canção qualquer. Há coisas que deviam durar muito mais tempo. Outras nem sequer deviam acabar. Bolas. E também há algumas que nem deviam começar. Como a escola. A escola é uma coisa má. Com pessoas a mais e amigos a menos. Antes, era uma coisa boa. Onde ríamos e apanhávamos flores. Agora, já não. Não gosto dos olhos. Nem dos ares sofisticados e desconfiados. Uma vez, sonhei que me agarrava a um pilar da escola e gritava ‘aqui vou ser feliz!’. Como no anúncio... Sabes? E ela estava do outro lado, agarrada ao mesmo pilar. E gritava o mesmo. Gritávamos as duas, essa frase. E (sor)ríamos muito. É uma estupidez sonhar com coisas destas, porque eu nunca vou ser feliz naquele antro de misérias. O pior de tudo são os números. Que são cada vez mais. E eu, bolas, odeio-os. Sou fraca. Devia ter coragem para lhes dizer que nunca mais quero ter de escrever o ‘6’ ou o ‘9’, com a mesma caneta que devia escrever o 'A' e o 'R'. Mas não sou capaz. Eles esperam isso de mim. E eu sei que não vou ser capaz. ‘É tudo uma questão de hábito’, dizem eles. Mas a verdade é que andei um ano a tentar habituar-me. E só morri vezes de mais.
O ano passado, a Professora de Português mandou-nos escrever uma carta. Escrevi a carta para a Fada Amarela que, um dia, me há-de vir buscar. Tive vergonha de a mostrar, no fim. Mas foi bom quando a Professora a elogiou. Nem deve ter entendido metade das coisas que eu escrevi, mas ainda assim elogiou. Eu senti-me uma criança pequena quando acaba de receber um saco cheio de gomas. E, nesse dia, fui a pé para casa. A molhar os pés nas poças e a sorrir. Só faltaram as mãos, parece-me. Mas, agora, já as tenho. E não queria mesmo nada ter de as largar.
A Nônô está lá em cima. A olhar-nos e a sorrir. É linda, como ninguém. E eu amo-a, como a mais ninguém. Foi ela que me adormeceu, a noite passada. E foram as mãos dele que me limparam as lágrimas. Tive os dois ao meu lado. Foi por isso que dormi quentinha. É por isso que, hoje, as minhas mãos não estão geladas.



/me on The Gift - Fácil de Entender

05 setembro 2005

Gosto de Ti. Desculpa.


Sabes o que é ter sentimentos sem voz e sem nome a morar dentro de ti?
Eu sei.

É ter uma vontade crescente. Imensa. De imensas coisas. E não ter vontade. De nada. Ao mesmo tempo.
É ter uma força incontrolável, que nasce numa zona secreta das minhas pálpebras e as faz querem-se fechar... antes do tempo.
É querer demais as tuas mãos. Nas minhas. E os teus olhos, presos a um céu brilhante, numa noite de sonhos. É querer as tuas gargalhadas, diluídas numa brisa fresca que teima em brincar com os meus cabelos.
É querer-te. Em mim. E sentir-me ridícula, por ser assim... Comigo. Mas já nem isso importar.
É ter palavras a mais, guardadas numa repartição secreta do coração. Palavras pesadas. Querer cuspi-las. E não ser capaz... De qualquer das maneiras, de que me iriam servir? Há coisas que não se explicam com letras.
Talvez tenha sido esse o meu mal. Ter desejado que fosses capaz de consumir as minhas palavras, ao mesmo tempo que me consumirias a mim. E consumiste-as, sim. Depressa demais. Sem perceberes que eram feitas duma sonorização especial, por serem de mim... para ti.
Consumiste-me a mim também, sim. Não toda. Só... partes. Sonhos e desejos. Sorrisos e alegrias. E eu nem me importei... Achei que tinha de ser assim. Dar, para poder receber... Recebi o quê, mesmo? Desculpas...? Pois foi.
E eu só gosto de ti. De Ti... Mais e mais. E ainda era capaz de te deixar levar mais um sorriso, se assim quisesses. Se assim existissem...

Já reparaste o quanto me gasto em palavras? Que, às tantas, nem me valem de nada. Mas eu só queria poder passar uma vida inteira a tentar escrever o teu sorriso. Cada letra, cada detalhe. E acabaria por se tornar sempre impossível torná-lo nítido numa folha de papel. Mas eu não me iria importar. E iria continuar a tentar escrevê-lo. Porque seria a coisa mais bela, de sempre.

Estou triste.
E sabes que mais? Nunca me importei tanto com isso como hoje.

29 agosto 2005

Exactamente nada.

Um céu às cores. Numa cidade cinzenta.
Um furo no corpo. Uma marca na pele.
Um caderno de folhas, (ainda) tão brancas... Como uma cama acabada de fazer, entre as gargalhadas duns lençóis demasiado pequenos.
Um príncipe, entre riscos. Que se começam a esquecer.
Uma noite, de estrelas. Uma noite, de insónias.
Uma voz desafinada. Duma música, de pequeninos.
Um grito, do meio das árvores. Calado por uma gargalhada estridente.
Um grito, do meio das paredes. Calado por uma lágrima gelada.
Bolas.
Um sorriso. Como uma explosão de estrelas. Cadentes e brilhantes. Quando os desejos (já) não existem.
Um sonho. E um medo.
Um corpo sem cor. Uma alma riscada.
Um coração de branco. De bom. Ou de mau.
Uma pegada esquecida. Na letra mais bonita.
Na areia. Do mar.
Uma melodia qualquer. Que já nem se sente.
O tempo. E o Tempo.
Um olhar guloso. Entre meia dúzia de palavras universais.
Um copo. E outro. E só mais um. Álcool. E mais álcool.
Que ter 16 anos é não ter nada.


/me on Enigma - Gravity of Love [e a culpa é tua*]

11 agosto 2005

Saudade.

Eu devia matar esta coisinha que resolveu esconder-se dentro de mim, e que me dá dentadas no coração. Às vezes, são pequeninas... Assim só para eu sentir a ponta dos dentes afiados dela em mim. Mas, outras vezes, são grandes e dolorosas. E ela faz tanta força que eu sinto quase que o coração a romper-se, e a dor quase que me faz chorar...
Ela deixa-me esfomeada. [Neste e no outro sentido da palavra... Porque ensinaram-me que há sempre um outro sentido, também nas palavras.]
E fome, assim desta, não é coisa boa. Já ouvi falar de pessoas que morreram assim... esfomeadas.
A coisinha que se escondeu dentro de mim, se calhar, também está esfomeada. Daí as dentadas. Mas o meu coração [já] não é comestível...
É que as pontas dos meus dedos, e a minha pele, e os meus cabelos, e o meu coração... estão esfomeados. E eu tenho fome. Daquela que não passa com a tigela amarela de leite fresco e Chocapic, de todas as noites. É fome da ponta de outros dedos, e de outra pele, e de outros cabelos, e de outro coração... Se calhar, de um que também sofra de dentadas duma coisinha com dentes afiados.
Eu devia matá-la. Devia arrancar-lhe os dentes, um por um, e rir-me da sua triste figura. Ela haveria de se sentir envergonhada. E, se calhar, até arrependida. Mas eu não posso fazê-lo, não seria capaz... Se a matasse ficaria sozinha. Duma maneira ou de outra, assim, ainda estou acompanhada.
E ela faz-me mal. Às vezes, magoa-me muito. Mas, aos bocadinhos começamos a socializar-nos, uma com a outra...
Numa destas noite, enquanto eu tentava adormecer, e ela roçava os dentes afiados no meu coração, agarrei-me à minha almofada com muita força. Fiquei com medo que ela me fosse dar uma dentada daquelas que doem muito... Mas, aí, ela parou. E começou a falar baixinho, cá de dentro, comigo... Era a primeira vez que a ouvia.
Com uma voz rouca e melancólica, respondeu 'Saudade', quando lhe perguntei como se chamava...


/me on Enya - May it Be

02 agosto 2005

' Reage ao toque como se fosse algo de mim. Viola-me o coração vezes e vezes sem fim. '

Queres que eu te conte como era(mos), nos meus sonhos?
( 'Conta-me', responderias tu com a voz mais calma de todas, se aqui estivesses agora. E eu não chegaria a perceber se estavas, realmente, com vontade de me ouvir [a falar, sempre, demais] ou se já estavas aborrecido. De mim. Mas ia preferir acreditar na primeira opção.)

Eu gostava de ti. E tu gostavas de mim. E isso chegava(-nos).
« Se gosto de ti, se gostas de mim... Se isto não chega tens o mundo ao contrário. »

Eu cantarolava uma música qualquer, em cada noite que nos deitávamos na relva. E tu ficavas a prestar atenção à minha voz, mas fingias que não... E ficavas a olhar, sempre, para o céu. Demasiado escuro. Demasiado brilhante... E eu ficava sempre a pensar que estavas perdido em pensamentos só teus, e que nem eras capaz de ouvir a música que (te) cantava. Afinal, era só mais uma...
Eu tocava na tua mão. E tu não te movias. E tu... não reagias.
Tu nunca reagias. Ao meu toque. E, por vezes, nem sequer às minhas palavras. E eu nem me importava, sabes...
Não esperava mais de ti. O que tinha, chegava(-me).
Tu gostavas de mim. E nem o dizias. Mas, nos meus sonhos, eu sabia-o. E tu sabias que eu gostava de ti. Porque te dizia sempre, quando acaba de cantarolar aquelas palavrinhas e passava a existir o silêncio.
'Gosto de ti, sabes...', e tu sorrias. Sem tirar os olhos do céu.

E eram todas as noites. Nossas. Com musiquinhas cheias de falhas, pela minha voz. Com céus escuros e brilhantes. Com relva. Comigo. E contigo.

Eu era feliz e, acredita, sabia-o. Queria acreditar que também o eras. Porque nunca deixavas de aparecer, quando começava a escurecer.
Por te ter, todas as noites. Sorria como ninguém. E, quando te via chegar, sentia borboletas dentro do estômago... sabes? E tu abraçavas-me. O teu abraço... que era, para mim, o pico máximo da felicidade.

E numa dessas noites (que eu pensava ser só mais uma), em que te vi aparecer, não vinhas sozinho. E, naquele instante, todas as palavras musicadas que existiam na minha cabeça (ou na minha boca) se diluíram em ti. E na flor que trazias contigo.
Aproximavas-te cada vez mais a cada passo e, quando finalmente paraste à minha frente, pareceste-me muito mais perto do que alguma outra vez.
Sorriste-me, sabes... Como nunca. Deste-me um beijo na testa e abraçaste-me.

E... pára.
Nos meus sonhos, a partir desse abraço, já mais nada existia. Porque penso que também não queria que durasse mais, essa realidade fingida.
E, agora, a partir daquele abraço, só fica a esperança que sejas tu capaz de fazer o final feliz.



/me on Filarmónica Gil - Um Homem como Eu

24 julho 2005

Tenho-me a mim. E a mim.

Pegaram em mim e adormeceram-me, à força.
Lembro-me de ver coisas brilhantes e fininhas e pontiagudas, antes dos olhos se fecharem.
Quando uma delas veio em direcção a mim, acho que comecei a sentir os Tic – Tac’s do relógio a aumentarem de velocidade... Os Tac’s caíam apressados aos pés dos Tic’s, e os Tic’s não se faziam esperar. Uma melodia frenética, que me fazia sentir aquele maldito ponteiro dos segundos dentro do peito.
Depois vim a perceber que, possívelmente, era só o meu coração a bater mais depressa.
Sempre tive muitos medos. Agulhas, era só mais um.
Pegaram em mim e amachucaram-me. Como um bocado de papel, onde se desenham dedos tortos e estrelas e bolinhas e coisinhas, das noites sem sono. E onde se escrevem coisas sentidas... Que mais tarde fazem chorar, e dão vontade de destruir cada uma daquelas letras.
Um bocado de papel que se amachuca. Para esquecer.
Eu fui uma folha de papel. Rasgada. E todos se quiseram esquecer de mim.
A minha mãe não me abraçou. O meu pai não me sorriu. O meu irmão não me beijou a testa.
Não me quiseram explicar nada. E eu não entendi...
Quando acordei, só pude ver aquela marca feia, no peito. Que nem doía. Que nem me fazia chorar...
Roubaram-me o coração e deram-no a uma menina de olhos bonitos. Disseram que ela precisava mais dele do que eu. O dela era fraquinho e o meu não...
Disseram que eu não o tratava bem, e que ele iria ficar melhor com ela...
Não sei se alguém foi recompensado por isto. Mas, se calhar, foram ao sítio onde acaba o arco-íris buscar o pote de moedinhas de ouro, e distribuíram-no pela minha família. E eles entregaram-me às coisinhas brilhantes e fininhas e pontiagudas.
Já não sinto.
Roubaram-me o coração sem me pedir licença. E, agora, há por aí uma menina de olhos bonitos a viver o que é meu. A sentir o que eu tinha lá guardado. A sentir(-me).
Às vezes, sangra. E as paredes deixam de ser brancas.
Às vezes, oiço uma música de fundo, numa voz doce e clara. E eu acompanho-a, baixinho...
Às vezes, precisava de deixar de me lembrar daquela voz que dizia ‘Fica quieta, não vais sentir nada’.
Precisava dum beijinho. E dum abraço. Com cuidado...
Porque há cicatrizes que já não desaparecem.


/me on Placebo - Protège Moi

19 julho 2005

Acredito. *


« Pode-se dormir no ombro de alguém uma vida inteira e morar noutros corpos, que nunca se tocaram. »

Deixa-me acreditar... Sim?
E, se puderes, acredita também. Como [dizes que] acreditas em mim...

Porque, no fundo...
Eu só queria que me devolvesses a vontade de consumir a vida de uma só vez...
Para saber se ela sabe mesmo a gomas... e a coisinhas doces.

08 julho 2005

« Tira a mão do queixo, não penses mais nisso... »


Eu quero ficar sentada nos passeios. E quero gritar assim muuuiito alto, na rua, coisinhas sem sentido!
E quero ficar a sentir os cabelos a mexerem-se muito com o vento, com vontade de se desprenderem e voarem sozinhos. Sem me quererem levar com eles...
Eu não quero ter de parar de sorrir, enquanto vejo uma menina pequenina e lourinha com olhinhos d' àgua.
Eu quero crianças! E flores. E músicas. E cores.
Eu quero a [minha] Nônô... aqui. Quero poder tirá-la lá de cima, e dar-lhe um abraço apertadinho e chorar e/a sorrir.
Eu quero deixar de adormecer a ver uma estrela. Que foge sempre, antes de eu ter tempo de a apanhar.
Eu não quero chorar.
Oh, eu quero tanto chorar...
Mas eu não quero magoar-me. Para chorar. Para sentir...
Eu quero um beijinho na mão. E uns olhinhos redondinhos a verem-me.
Eu quero espuma! E bolinhas de sabão! E caretas. E coisinhas...
Quero relva. E cheirinho a verde. E a fadas!
Oh, eu quero que uma fada amarela me venha dar a mão e me leve para trás do arco-íris.
E quero cantar. E dançar.
E não quero mais ter de ouvir vozinhas dentro da cabeça, que magoam...
Eu quero um colinho quentinho. E uma festinha na cabeça. E um céu colorido, com uma nuvem cor-de-rosa.

Pode ser?



/me on Jorge Palma - Terra dos Sonhos

04 julho 2005

' A recordação da felicidade já não é felicidade. A recordação da dor ainda é dor. '

Só queria ser capaz de substituir as mãos.
E os sítios. E as roupas. E os bancos. E os baloiços. E os olhos. E o tom de pele. E as mãos. E os dedos. E as lágrimas, de quando ainda era possível sentir... E as mesas. E as camas. E as casas. E a campainha. E os espelhos. E os filmes. E os pés, descalços. E as meias. E os cabelos, compridos. E as mãos, que eram perfeitas. E a boca. E os sorrisos. E os risos. E o perfume. E os [a]braços. E a vergonha. E a teimosia. E a [gloriosa] persistência. E o medo. E a culpa. E as palavrinhas, mágicas... E a areia. E as ondas. E o vento. E as bolachas. E os dentes. E a língua. E a relva. E as árvores. E os autocarros. E a vontade. E a felicidade.
Ou apenas as mãos.

Bolas.
Onde ficou o ponto quente?



/me on Ornatos Violeta - Mata-me outra vez

24 junho 2005

Nônô.

Hoje, sentei-me no [meu] parapeito. Depois de... muito tempo.
Levei um lápis na mão. E desenhei um sol e uma flor e um coração e um princípe. E escrevi 'Rita' com uma pintinha no 'i' muito redondinha...
Uma perna cá. E outra lá. E bastava-me escolher: cá em baixo ou lá em cima.
Apeteceu-me atirar-me, só para saber se lá em baixo estaria mesmo um trampolim à minha espera.
Ou saltar em direcção a um fio de electricidade e deixar-me ficar presa com as mãos, com as pernas a baloiçar...
As músicas a tocarem. Umas a seguir às outras.
E eu a olhar para as minhas meias às ricas. Verdes e cor-de-rosa.
Um senhor a passar lá em baixo, numa bicicleta. Um cão a correr até ao fim da rua. E três gatinhos pequeninos a bricarem no meio das flores...
Lá em cima, um céu tão bonito... E uma estrela. Ela.
Cantei-Lhe uma canção. E olhei-A, no meio daquele céu às cores.

Tira-me de mim..

No fim, disse-Lhe:
' Nônô, um dia a mamã vai buscar-Te. '

20 junho 2005

« Quem não quis saber, tirou a mão... e partiu. »

Gostava de me poder ver a adormecer. De me sentar na cama, quando já só há o escuro, e ficar a olhar-me.
Gostava de saber se adormeço a sorrir naqueles dias em que se fecha os olhos e se vê uma praia. Muita areia e as ondas a morrerem.
Quando os olhos se fecham, Tu estás sempre atrás. Ao fundo. E eu aproximo-me.
Tens uns óculos escuros, que eu faço questão de fazer desaparecer.
Com o som das ondas. E a areia nos nossos pés. Os cabelos a esvoaçarem. [Teus e meus...] E o vento de encontro à pele.
É sempre tudo [demasiado] lento. E nem sei se me costumo importar com isso.
Quando se fecha os olhos e se vê uma praia é tudo muito diferente...
Existes Tu, que nem sempre aqui estás... Mas que ficas sempre. Atrás. Ao fundo.
E eu nem sei se sorrio com isso.
Gostava de me poder ver a adormecer. De me sentar na cama, e ver-me feliz enquanto Te abraço. Quando os olhos se fecham...
Porque depois, passa.
Abrem-se.
E Tu... morres-me. Como as ondas.


/me on Toranja - Tempos Adversos

17 junho 2005

Bolas.

Estou, realmente, chateada!
O 'homenzinho' que trata dos computadores apagou TUDO o que eu tinha. Tudo, tudo, tudo.
Não deixou nem uma músiquinha...
Oh, que vida a minha...

[hey, a Pandora não morreu!]

08 junho 2005

' Não faria sentido seguir para trás do arco-íris sem ela... '

Foi quando ela se dirigiu ao parapeito e não a encontrou lá...
A janela estava aberta. As cortinas a esvoaçarem. E o parapeito... vazio.

A Pandora?

Anda depressa. Que a coração acompanha-te...
Por todos os lados. Por todos os cantos.
Olha. E sente. A ausência.
Em todos os lados. Em todos os cantos.

A Pandora?

- Está aqui o aquário, no chão...

Partido. Seco. E... vazio.
Chora. E sente.
Que a Dor é sempre mais. E insiste sempre em apertar-te, de novo, a mão. Quando não esperas.
Mais. E mais.
A Dor. Da Ausência. Aqui, para a sentires.
Para chorares. Porque as lágrimas servem para se deitarem fora.

A Pandora morreu.

Não pares. Desprende-te dela. Arranca a mão dela da tua... Nem sempre é preciso deixá-la ficar.

E ela moveu-se. E andou. E foi até junto do parapeito, de novo.
Olhos. Vermelhos. E molhados.

A Pandora morreu.

- Está aí!

A Pandora morreu.

E mexeram-se.
As duas.
Ela. E a Pandora.



/me on The Gep Up Kids - Out of Reach

04 junho 2005

Agora... ou mais logo.

Eu queria Alguém.
Hoje.
Agora... ou mais logo.

E uma margarida. E uma papoila. E um bem-me-quer, que não fosse mesmo mal-me-quer...
Eu queria um limão, na minha mão. E uma laranja. E uma maçã, verdinha.
Queria cerejas e mais cerejas! Que condizem com beijinhos...

Eu só queria beijinhos. Nas bochechas e no nariz. Na testa e na mão.
Um beijinho na mão. Dum príncipe. Ou dum sapo.
Uma coroa e uma nuvem. Cor-de-rosa.

Eu queria mãos. E mãos, e mãos, e mãos.
E lábios.

Queria um abraço. Sentido.
Um colinho macio. Onde pudesse descansar.

Hoje.
Agora... ou mais logo.
Quando o cansaço for maior e os olhos se quiserem fechar...

Uma mão na minha. E outra nos cabelos.. Que teimam em se encaracolar.
E os dedos a percorrerem cada onda. Cada canudo desfeito...

Eu quero fechar os olhos.
E morrer. E viver.
Para sentir.

E para poder dizer:
Adeus, apatia.



/me on The Cure - Lost

28 maio 2005

« Por seres do céu. Por ser para Ti... »

Eu estou na minha cama. Deitada.
Atirei as almofadas para o chão.
Não puxei os cobertores. Continuam esticados, na perfeição.
Eu estou deitada. Na minha cama.
De olhos abertos.
Estou vestida. E descalça.
Consigo ouvir a chuva, lá fora. E o barulho das janelas a vibrarem com o vento.
Estou a olhar para o tecto.
Não estou a pensar em ti. Não me sinto sequer capaz de pensar.
Não quero.
Torna-se sempre mais fácil não pensar. Para não sentir...
Inclino-me ligeiramente para a mesa-de-cabeceira, ao meu lado, e desligo o candeeiro.
Deitada. De olhos abertos.
O tecto. Tão branco. Tão escuro.
Sozinha. Às escuras. A ouvir a chuva. E o vento.
Levanto-me, num impulso. Não entendo porque o faço, mas não importa.
E levanto-me.
Fico parada. Junto à cama. Em pé.
Descalça... Sinto o chão tão frio. E gosto. E quero.
Eu vejo-te. Está escuro, mas eu vejo-te.
Sentado, no chão. Encostado à parede, ali do fundo... Pernas encolhidas. Olhas para mim.
Eu, parada. Junto à cama. Em pé. A ver-te.
Eu não sei se o que vejo és tu ou se é a tua imagem na minha memória. Mas eu vejo-te. E tu olhas-me.
Começo a andar. Lá para o fundo...
Eu vejo-te. Tu olhas-me.
Caminho lentamente. Tu, cada vez mais perto a cada passo meu.
Chego a ti. Vejo-te...
Consigo distinguir cada pormenor teu.
Continuas sentado, no chão. Com as pernas encolhidas.
Eu baixo-me. Sento-me no chão, ao teu lado. Encosto-me à parede. Encolho também as pernas.
Eu olho para os teus olhos. Acho que eles olham para os meus também.
A noite. O escuro. A chuva. E o vento.
Eu vejo-te.
E, agora, podia dizer uma palavra. Agora, neste momento que parou para sempre, podia estender a minha mão e levá-la ao encontro da tua. Podia tocar a pele da tua mão.
Mas eu não sei se o que vejo és tu ou se é a tua imagem na minha memória.
Por isso, não arrisco.
Permaneço. Imóvel. Em silêncio.
E continuo a olhar para os teus olhos.
Lá fora, uma noite chuvosa. Aqui, eu a ver-te, ao meu lado.
Sentados num chão demasiado frio. Sem nos tocarmos.
Nós.

Hoje, não tenho medo do escuro.

28 Março 2005

25 maio 2005

*

Até já oiço os passarinhos...
E sinto o cheiro, a 'qualquer coisa doce e clara'...

Não importa se ainda vai demorar muito tempo...
O nosso céu espera-nos.


« Por seres do céu. Por ser para Ti... »

21 maio 2005

Carros destruídos não combinam com estrelas.

E sentes que, num só momento, tudo te tenta escapar das mãos.
Mas não escapa...
Ele sabe que se o perdêssemos iríamos sofrer muito...

Noites sem estrelas.
E um senhor com uma coisa esquisita dentro das veias. Que o faz descontrolar-se e não ver ninguém.
E um rapaz.
Um senhor e um rapaz.
Um senhor e um...
Estrondo!

Telefones a tocar. E mentiras de carros avariados.
Voltas e mais voltas numa cama. Que não nos deixa adormecer.
Sozinha. No escuro.
Não morreu, por sorte.

Cabeças atordoadas.
E medo.

Teste com muitos números. E a caneta a fugir das mãos...
Os comprimidos. E a falta deles.
Olhos molhados e mãos a tremer.
E já nem importa se não se conseguem fazer contas. Nem distinguir os números das letras.

Já está tudo bem.

14 maio 2005

Desejo.

Vivo à espera dum futuro, que não chega...

Imagens e palavras, que flutuam na minha cabeça.
E eu a vê-las. E a ouvi-las... Sem as poder agarrar.
E sem as conseguir parar.

Não há sonhos. Nem planos. Nem objectivos.
Perdi-os. A todos...
Agora, talvez só existam caprichos e vontades. Que não se satisfazem...

E um futuro. Que não chega.
Porque, se calhar, nem é meu.
Ou, então, porque o desejo demais...


/me on The Gep Up Kids

08 maio 2005

Sigh...

Se eu não estivesse tão cansada... até me dava ao luxo de chorar.


/me on Toranja - Laços

03 maio 2005

Tic - Tic - Tic...

Eu pensei que passasse.
Que fosse só uma fase... Daquelas que duram semanas, mas depois acabam por desaparecer.
Pensei que fosse capaz de me mostrar. A mim e aos outros.
De ver e de deixar ver.
Não passou.
E este relógio no meu pulso... Que me [re]lembra que o tempo não pára, mesmo quando me tento esquecer disso...
Tic - Tic - Tic...
Sempre mais um Tic, a cada segundo que passa... Sem Tac. Só Tic's... Sozinhos.
Eu não queria ouvir. Para me esquecer que perco sempre mais um sorriso por cada segundo que passo aqui...
Eu. Aqui. Sempre.
No mesmo chão... frio. No meio das mesmas paredes... dum branco que agonia.
E sempre as mesmas músicas... Que não deixo de ouvir. Porque não sou capaz...
As músicas... Que são as vozes que espero todos os dias poder receber de Alguém.
Deixas perdidas que Ninguém agarra.
Porque não deixo.
Ou porque não quer...

30 abril 2005

Porra.

Isto é uma... baralhação.