28 abril 2008

« Uma chama invisível incendiou-me o peito...

O meu lugar deixou de ser este. Passaram a ser os olhares que se colam à minha pele, as mãos que se estendem na minha direcção e as vozes que ouço mesmo ao meu lado - a realidade, como ele me dizia. (ao que consta, realidade que é real é obrigatoriamente visível e tocável...)
Fico sentada no meu chão com um sorriso estúpido nos lábios; qualquer perspectiva pode comprovar que é assim. Esqueço a chuva destes dias e creio apenas, com a réstia de optimismo que ainda possuo, que o meu sonho já não tarda. Que quando me levantar, será só para fugir daqui - o chão que há por percorrer não me assusta.
Vou dar uso aos cinco sentidos e às páginas em branco do meu caderno, esquecer a virtualidade das coisas.

E se o Pessoa se chegar a mim, tirar o chapéu e me piscar o olho,
nesse dia, eu vou saber que
consegui.




... Qualquer coisa impossível fez-me acreditar. »

18 abril 2008

Look up.

De mim, já só o corpo é que está neste lugar.




Don't cry,

All the songs you sing,

All the flowers you bring

Are part of everything there ever was

And will be.


Go on,
You've got places to be,
So many things to see.
Don't worry about me,
I'm already where I should be.

If you
Wanna think about me,
Look out above the sea
And you can see that I am doing...
Just fine.

03 abril 2008

« (...) But nothing is as beautiful as when she believes in me. »

Já ninguém acredita no amor à distância - dá muito trabalho. As pessoas não querem perder tempo; se fosse possível, optariam por comprar uma embalagem de abraços ou um frasco de beijos, como quem pondera indeciso entre um iogurte natural e um iogurte magro, nessa secção frigorífico do supermercado.
Já ninguém opta pelo sacrifício. Ninguém quer passar pela dor de sentir o coração apertado durante semanas, na ausência dessa outra metade que existe longe. As pessoas não querem perder tempo em viagens longas, só para encontrar um abraço a três, cinco ou dez horas de distância. um abraço. Seria, de certo, o melhor que já sentiram na vida, mas ninguém quer ter de percorrer tanto por gestos.
As pessoas dão voltas ao mundo, percorrem estradas, oceanos e céus, mas já não é pelo amor - os gestos foram esquecidos. São os números que as movem, porque são eles que lhes proporcionam as coisas tocáveis, e já ninguém é capaz de acreditar que uma vida segura tem como bases o que é invisível aos olhos e ao tacto.
Um dia, disseram-me "queres fugir? digo-te já que se fores para longe, podes esquecê-lo. amores à distância não resultam." Foi assim directo e gélido como vos digo agora. Se na altura ponderei naquelas palavras como na coisa mais importante do mundo e decidi adiar a minha fuga, agora vos digo: nunca me foi dito nada tão ridículo. Pura preguiça e comodismo. Se tivesse fugido, tenho a certeza que ele ia saber esperar-me, mesmo que as saudades apertassem. Ia ouvir-me sussurrar em todas as músicas que passassem na rádio e ia esperar, todos os dias, ansioso por uma carta minha no correio. Ia amar-me pela minha caligrafia nessas cartas e pela minha voz ao telefone, cada vez que ligasse a horas inesperadas.
Acredito eu assim, porque o mundo já avançou. Já ninguém sabe o que é tentar escrever o amor em cartas, porque os olhos estão longe e não podem falar por si só. Já ninguém sabe o que é apanhar comboios até um pedaço de felicidade que nos espera de braços abertos.
O amor existe, é real. E não olha a distâncias ou gerações.
O que caiu sobre o meu colo - porque o amor acaba sempre por cair sobre nós sem estarmos à espera - era frágil, misterioso, viciante e trágico. Exigia-me uma viagem de quase três horas de comboio, o que, tendo em conta a correria do mundo, nem me parecia muito. Podia tê-lo mantido entre as minhas mãos uma vida inteira; mal mo foi entregue, senti que podia ser para sempre. Ainda lhe sei de cor o sabor e o cheiro, mas evito recordar pelo medo da saudade. Neste exacto momento não fecho os olhos, para não ter de senti-lo num canto recôndito de mim - nunca aprendi a deitar fora os restos dos meus amores perdidos. Com os olhos inchados mas as mãos decididas, tive de o largar e desfazer-me dessa tragédia perfumada que me fazia festas no cabelo, me pegava pela mão e me olhava enternecido. É que até ele achou que os quilómetros eram demais para um desejo tão forte. Ai... como o mundo é controverso.
Ninguém se quer dar ao luxo de perder tempo, as pessoas querem ter tudo à mão de semear. Desde o copo com água até ao amante que usam a seu gosto para matar essa sede. Pois olhem, eu sempre achei que o Jorge é que tinha razão: "o tempo nunca existiu, o tempo é nossa invenção. se abandonarmos as horas, não nos sentimos sós. meu amor, o tempo somos nós."
E este monólogo poderia desenrolar-se ainda mais a partir daqui, para além desse amor cinematográfico que liga as pessoas e que eu defendo até à exaustão; que inspira escritores e poetas, mas não preenche os corações. É que os tempos mudaram e o mundo está assim... vazio de história.
Já ninguém é capaz de acreditar. E não é só com o amor à distância que isto acontece.
Já ninguém acredita em estrelas, porque já ninguém, sequer,
perde tempo a levantar os olhos para o céu.