17 dezembro 2008

Convite.

Vem conversar, eu pago as imperiais e os cafés... Estou a precisar de atenção.
Tenho dado tantas voltas ao revés, perto de cair...
Eu tenho de abrir.

Este convite fica aqui, às voltas no ar. Este convite é para ti, se acaso aí chegar.
Podes não ter tempo ou disposição, podes até não estar por cá...

Ouvi dizer que tu também não andas na maior, talvez nos faça bem arejar...
Não vamos ser piegas nem trocar a dor;
somos os peões, somos campeões.

Este convite fica aqui, às voltas no ar. Este convite é para ti, se acaso aí chegar.
Podes não ter tempo ou disposição... Podes até não estar por cá.

- Ainda sabes rir? Consegues chorar? Sabes um segredo...?
- Sei lá...


Jorge Palma & Clã

fotografia da Rita.

22 novembro 2008

« Hoje sei que estou crescida: não tenho fé nem alegria nem confiança em nada do mundo. »

Vagueio pela cidade que me viu nascer, essa que serve de inspiração aos poetas, fechada num escuro rasgão que me fere para lá dos ossos. Não há luz nenhuma ao alcance da minha vista capaz de me abençoar os passos ou as escolhas. Quem sou eu e para onde vou, neste lugar sangrento e feroz onde querer só tocar o céu já não chega?
A intelectualidade das mentes fere-me. O mundo, em geral, também. Está infectado de protocolos regidos pela pobreza de espírito.
Recuso-me a compactuar em silêncio, apenas com a caneta na mão para ir tirando notas, com as parvoíces dos homens e acabo com as mãos todas fechadas para mim. E agora?, pergunto-me enquanto vejo, no metro, um homem com a barba por fazer - aprende a resistir - com claves de sol a boiarem-lhe por cima da cabeça. A resposta, não a vejo, nem mais às claves que entraram com o seu dono na carruagem da frente.
Há um mágico que cospe àzes de copas nas ruas bêbedas do meu desconsolo. Abro o peito, com a maior calma imaginada e um pequeno sorriso, enquanto digo à minha amiga: já acreditas que a magia existe? Só quando já venho a descer para o Cais, me lembro que me esqueci de o pedir em casamento. Esta noite ainda lá estará - ainda há cartas por aparecer saídas de dentro da manga ou de detrás da orelha - mas os meus lábios estão por pintar. Haja romantismo.
Faz falta uma madrugada de chuva que afogue o rio que me olha, todos os dias, cheio de fragmentos do que fui e deixei. E lá está ele, na outra margem, o príncipe de trapos que me assombrou a juventude. Fode-me agora, que já nada me importa, que já não tenho morada onde ancorar os meus sonhos. Eu sempre desconfiei: as minhas lágrimas são açúcar na tua boca.
E agora, assim chego ao fim: sem nada de mim que seja (m)eu.
Fiz-me velha cedo. Aprendi a gostar de velhos, também. Descobri que os bancos de jardim, aqueles onde bate o Sol das cinco, têm mais vida quando lá se senta alguém do tempo d'a menina dança?.
Leia-se aqui: quando eu morrer, que se ouça murmurar sob a lembrança de mim: em miúda, nenhuma dor lhe corroía tanto o peito nem lhe pesava tanto no choro, senão o sonho de ter nascido no tempo da palavra.



fotografia tirada daqui.

09 setembro 2008

...

Até que um dia, ao acordar, descobri que não tinha como fugir a este rio de Letras que corre para mim.






26 agosto 2008

Plastic stars (in our private galaxy).


Já o vejo ao portão de casa, à minha espera. Mal eu paro, ele apressa-se em fugir para dentro do carro. Faz o mesmo sorriso de sempre, dá-me um beijo na bochecha e começa a desbobinar as mil novidades que tem sempre por contar.
Fico a ouvi-lo falar da miúda a quem se deixou prender e deixo-me enternecer pela forma como me diz, com o mesmo sorriso da chegada: sabes, acho que finalmente, desta vez, acertei.
Já nem sei se acredito no amor dos homens (ou não consiste tudo, apenas, num interesse carnal, num aconchego de almas?), mas deixo-me iludir, porque, afinal, é essa ilusão que me faz acalentar o espírito.
Olho-o com atenção e vejo-o, agora, maior que eu. O meu amigo de infância tornou-se, quase sem eu dar conta, numa personagem de filme. Tem o dom da oratória, mas ignora-o e enrola mais um cigarro.
Vamos a um bar qualquer e ele bebe do meu copo. Fala aos outros de assuntos que eu já o ouvi falar há uma semana atrás, mas acrescenta sempre algum pormenor esquecido, o que lhe torna o discurso meio aliciante. Traz uma indiferença para com o mundo exterior pregada à pele e, ao mesmo tempo, uma simpatia insólita para quem se aproxima do nosso.

Não tocamos, juntos, em livros desde que encerrámos a época de exames; a poesia de Pessoa fá-lo deprimir, a ponto de lhe causar pensamentos pouco sãos.
Fixo-o e não consigo perceber há quantas noites não dorme o suficiente ou se passou o dia inteiro deitado. Parece que, às vezes, vive num estado de embriaguez que dá vontade de nos embriagarmos, nós próprios, nele.
As minhas noites são sempre mais protegidas quando o tenho ao meu lado, porque se me der para fugir, sei que ele não fica preso ao chão, a ver-me afastar. E porque temos sempre uma praia, juntos. Se não a tivermos logo ali, encontramo-la sempre, nem que seja só de manhã.
E, entre um ajeitar do cachecol que ele traz sempre ao pescoço e os acordes duma música qualquer, acabamos deitados na areia, a falar de coisas sem nexo. E eu não preciso de mais nada, um céu estrelado e um amigo bastam-me. Nem fotografias temos - o meu olhar fotográfico vale muito mais; não desfigura nem banaliza os ambientes.
Mas isto é só até, algures na madrugada, ele me dizer a rir: hey, vamos ao castelo!
Desaparecemos de mãos dadas e quando nos voltam a encontrar, costumamos estar perdidos, a afogar numa garrafa qualquer, o nosso cansaço da busca e a nossa tristeza de só termos encontrado um castelo de saudade.




(Tudo o resto é uma questão de dramatismo; na realidade, ninguém me sabe roubar o sorriso.)

16 agosto 2008

Home is where the heart is.

Olho o Rossio inteiro, com um arrepio a correr-me dentro das costas da camisola. É Verão, mas hoje o dia resolveu nascer menos brilhante.
O meu coração veio a flutuar desde lá de baixo, quando me deixei ancorar nesta margem do rio. Atravessou o Cais, deu uma volta pelo Chiado, para, finalmente, aterrar aqui.
Fico meia paralisada e o frenesim habitual, como que em solidariedade, até me parece acalmar. Consome-me já uma saudade melancólica da imagem que existe à minha volta, como a falta que se sente de alguém que se sabe que se vai perder, mesmo ainda não o tendo, de facto, perdido e ainda o tendo nos braços.
Acordo deste sentimentalismo solitário com a mão dela a apertar a minha. Já quase a esquecia ao meu lado, não fosse um calor protector e invisível - aos olhos - ter-me sempre aconchegado, desde o início da caminhada.
Olho para o lado e vejo-a com o cabelo cor-de-cenoura e os olhos muito verdes e brilhantes dos quinze anos, quando fugiu do remoto vale da infância para experimentar as ruelas de Alfama. É, de repente, a menina risonha desses tempos, com mais mil sardas que eu a saltarem-lhe no rosto. Ri como se nada de demasiado grave houvesse no mundo e nunca, ainda, lhe tivessem feito mal, nem receasse poderem vir a calar-lhe esse riso.
Eu fico emocionada a olhá-la e não consigo evitar rir-me também. E somos, então, duas miúdas a pairar no meio da praça, que riem alheias aos olhares e aos cochichos.
Quando a abraço, as minhas lágrimas são um amor gigante a cair-me dos olhos. E é assim que deixamos acalmar o riso, para descansarmos no ombro uma da outra.
Não sei quanto tempo passou, nem se foi sonho ou realidade, mas quando desfazemos esse abraço, eu olho-a e só vejo um rosto enrugado. Mas, ao concentrar-me melhor, constato que a miúda de quinze anos continua a morar-lhe no fundo dos olhos.
Na outra ponta da península, sorri-nos o último prolongamento deste amor e eu sei que, aqui, a distância nunca será nada para o que une as almas.
Olho o Rossio inteiro, agora com um sorriso mais descontraído, porque, lembro-me, a minha casa não é chão. E recomeço a caminhar, não sei bem para que direcção, levando uma das minhas duas moradas ao meu lado, segurando a minha mão, e a outra no regaço, bem junto ao coração.

20 julho 2008

« Todos os dias te espero. Todos os dias me faltas. »

Dou-me hoje conta da velocidade dos tempos e da escuridão do meu peito - faz hoje muito tempo que não o olhava de frente.
Agora, ao destapá-lo, revejo-te em primeiro plano. Estás igual ao dia em que te abracei pela última vez, porque as despedidas são sempre permanentemente jovens em nós. Tomam, eternamente, a forma de rostos que se recusam a envelhecer.
Lembro, agora, o teu cheiro e o teu sabor, depois de tanto tempo de recusa. Acreditei seres o único homem com perfume debaixo da pele. Dei por mim a parar, várias vezes, no meio da calçada, de olhos fechados, a cheirar o ar, porque me parecia sentir esse teu cheiro a vir no vento.
Já o meu coração cheira a mofo e está desbotado. Só hoje o vejo. Falou-me um homem de voz segura, mas doce. Estava na colher de chá que bateu na chávena e no próprio chá que não bebi; foi só uma forma de se mostrar, porque no fundo ele vive em todos os cantos. As palavras dele fizeram-me tremer e desfazer em lágrimas. Há quanto tempo me tinha eu deixado congelar, nesta impossibilidade de te ter?
A apatia, branca e gélida, acalmou-me, tempo demais, a dor de já não te sentir na outra ponta da cama. Mas até ela desapareceu, mal o homem abriu a boca.
Despiu-me, assim, ele. Arrancou-me a capa da falsa dureza que me cobria e falou-me do que não deixei morrer. Quando ele se calou e eu olhei para dentro, vi o mesmo rosto intacto, agora descoberto, da tua juventude.
Viveste em mim, todos os dias em que o neguei. E esta recente noção dói tanto como o teu cheiro a surgir no meio da cidade, sem o teu corpo por perto.
Estou a rever, às claras, as imagens do nosso breve romance. Foi o homem que as trouxe para os meus olhos, quando eu já as pensava abandonadas. Não cessam um segundo, como se depois de tanto tempo a ignorá-las, me quisessem dizer que não se consegue nunca matar o que temos plantado no mais profundo de nós.
Não adianta tentares fugir para longe do que sempre esteve dentro de ti.
E, agora, ao pronunciar novamente o teu nome em voz alta, ao deixar-me desabar na sinceridade do escuro que a tua ausência me traz... morro mais um pouco, porque só assim sinto para viver de verdade.
As lágrimas são só um caminho inevitável nesta saudade em que me encontro, de novo, a remexer e que me levam a perceber que o orgulho é nada para o meu desejo de te reencontrar.
Naquela tarde de Verão, ao chegares, escancaraste as portas do meu desejo, abriste janelas e telhados...
Há quanto tempo vivo eu no meio de correntes de ar e sopros de coração?







Entre o céu da tua boca e a luz do céu de Lisboa,
Entre uma palavra tua e um poema de Pessoa,
Entre a cor do teu sorriso e todo o brilho do mundo...
Escolheria o que é teu,
Não hesitava um segundo.

15 julho 2008

:

Não é que te espere, mas ainda te imagino a chegares.







01 julho 2008

« como a queda dum sorriso p'lo canto triste da boca, neste vazio impreciso só a loucura me toca. »

há uma força vertiginosa e incolor que me empurra para os poetas. se eu a tento ignorar, ela faz-me tropeçar em poemas até os olhar de frente.
pergunto-me se todos os que se deixam cair nas letras, acabam por tombar também sobre a solidão, como se fosse ela poética e feliz. a única resposta que encontro vem de longe, com o vento que traz o cheiro de outras margens. segreda-me ele ao ouvido: vem, menina, está na hora... e eu sinto um arrepio na pele, e obrigo-me a ficar mais um tempo, porque sei que a virtude reside também em saber esperar pela hora certa, quando o desejo já quase tomou conta de tudo.
é esta espera a companhia que agora me resta, e que sinto como se me rasgasse por dentro.
e no fundo dos meus sonhos estão letras, milhares de novelos de letras, e os teus olhos. (são os mesmos de outros tempos; fitam o mundo todo, só não olham nesta direcção.)
nunca a solidão foi tão vazia.
o meu cabelo encaracola mais a cada dia que passa, e as sardas que trago no nariz multiplicam-se e saltam-me para perto dos olhos - consequências habituais dos dias de sol. por dentro, sinto-me a envelhecer. um pesado cansaço, em discrepância com a aparência jovial.
tenho medo dos rostos familiares, como se pudessem plantar em mim saudades de outras viagens. mas, se reparar bem, a maior parte já mal reconheço, de tão desfigurados que estão.

passa-me a minha mochila, eu tenho de ir. passa-ma, este sítio já não tem mais nada para mim. não chores, por favor. eu vou à procura de algo que me encha o peito, para poder encher as folhas em branco que levo. tenta compreender...

mas é desnecessário pedir compreensão a quem pressente a profunda dor da ausência.
no meio de tudo isto, acordo e a confusão das minhas palavras é a mesma dos meus pensamentos. os teus olhos estão colados ao muro do meu passado.
há vozes de poetas a ecoarem no salão vazio do meu desamor por ti, e há uma força vertiginosa e baça que me empurra para o alcance da tua vista. queria eu saber-me incapaz de ceder a um caminho que contenha os teus passos...
pelos vossos poemas, por favor, não deixem que ele me olhe de frente.

os teus olhos continuam incrivelmente belos e eu,
sem saber, continuo permanentemente a cegar.

31 maio 2008

Meu querido.

Costumava encontrá-lo na terceira rua, à porta do bar do costume, quando a Lua já ia alta. Ajudava-o a endireitar a gravata e a apanhar um táxi para casa. Ele dizia-me, com a língua já meia enrolada: "Minha querida, tu já sabes que eu sou homossexual.", e sorria.
Beijava-me, mesmo assim, e eu ficava a vê-lo desaparecer rua abaixo, a desejar que existisse alguma alma, em alguma parte do mundo, capaz de o consolar.


Às sextas-feiras, era costume encontrá-lo no Bairro. Só quando ele preferia ter a certeza de que eu não ia ficar por casa, quando não queria deixar o nosso encontro nas mãos desse acaso que nos fazia sempre cruzar um com o outro, me mandava uma mensagem: "Estou à tua espera na Praça Luís de Camões daqui a uma hora."
Sozinha, eu acabava sempre por aparecer. E ele, já com um copo na mão a acompanhar-lhe a espera, abraçava-me como se abraça uma irmã.
Dava-me a mão para atravessarmos juntos o tumulto de pessoas que ocupavam aquelas ruas, oferecia-me da bebida dele (o copo ficava sempre com a marca vermelha dos meus lábios, e ele nunca se importava) e puxava-me sempre para dançar, quando já mal conseguíamos controlar os passos.
Ele falava tanto. Era uma alma solitária, repleta de misticismo, com uma vontade gigante de exacerbar toda a complexidade do mundo. A mim, só me competia a tarefa de o ouvir e deixar descansar.
Acabávamos sempre a noite sentados na pedra da entrada dum prédio qualquer, encostados à porta de madeira. Ríamos, porque, juntos, o mundo em volta não existia. As pessoas que passavam, as vozes que se ouviam, não eram mais do que a doce ilusão dum plano muito longínquo.
Ele pedia-me sempre lume e, ao fim da noite, já me pedia também que lhe enrolasse os cigarros, enquanto me afastava o cabelo da frente dos olhos. Tinha as palmas das mãos mais bonitas que eu já conheci e duas bolas de cristal no lugar de olhos.
Pedia-me que não o deixasse, e tinha uma estranha forma de me convencer sempre a não o deixar seguir sozinho para casa.
Depois de algumas tentativas de conseguir meter a chave na fechadura, lá entrávamos. Eu descalçava-nos e embalava-o, como se faz com as crianças. Adormecíamos na cama de mãos dadas e, no dia seguinte, quando eu acordava, dava com ele já desperto a olhar para mim com um sorriso nos lábios.
"Minha querida..."

Perdi-lhe o rasto no dia em que esta calçada deixou de me saber pregar partidas.
E é desde aí que esta Lisboa está cheia de rostos belos, mas mortos, como recordações que bóiam perdidas no leito do Tejo.





28 abril 2008

« Uma chama invisível incendiou-me o peito...

O meu lugar deixou de ser este. Passaram a ser os olhares que se colam à minha pele, as mãos que se estendem na minha direcção e as vozes que ouço mesmo ao meu lado - a realidade, como ele me dizia. (ao que consta, realidade que é real é obrigatoriamente visível e tocável...)
Fico sentada no meu chão com um sorriso estúpido nos lábios; qualquer perspectiva pode comprovar que é assim. Esqueço a chuva destes dias e creio apenas, com a réstia de optimismo que ainda possuo, que o meu sonho já não tarda. Que quando me levantar, será só para fugir daqui - o chão que há por percorrer não me assusta.
Vou dar uso aos cinco sentidos e às páginas em branco do meu caderno, esquecer a virtualidade das coisas.

E se o Pessoa se chegar a mim, tirar o chapéu e me piscar o olho,
nesse dia, eu vou saber que
consegui.




... Qualquer coisa impossível fez-me acreditar. »

18 abril 2008

Look up.

De mim, já só o corpo é que está neste lugar.




Don't cry,

All the songs you sing,

All the flowers you bring

Are part of everything there ever was

And will be.


Go on,
You've got places to be,
So many things to see.
Don't worry about me,
I'm already where I should be.

If you
Wanna think about me,
Look out above the sea
And you can see that I am doing...
Just fine.

03 abril 2008

« (...) But nothing is as beautiful as when she believes in me. »

Já ninguém acredita no amor à distância - dá muito trabalho. As pessoas não querem perder tempo; se fosse possível, optariam por comprar uma embalagem de abraços ou um frasco de beijos, como quem pondera indeciso entre um iogurte natural e um iogurte magro, nessa secção frigorífico do supermercado.
Já ninguém opta pelo sacrifício. Ninguém quer passar pela dor de sentir o coração apertado durante semanas, na ausência dessa outra metade que existe longe. As pessoas não querem perder tempo em viagens longas, só para encontrar um abraço a três, cinco ou dez horas de distância. um abraço. Seria, de certo, o melhor que já sentiram na vida, mas ninguém quer ter de percorrer tanto por gestos.
As pessoas dão voltas ao mundo, percorrem estradas, oceanos e céus, mas já não é pelo amor - os gestos foram esquecidos. São os números que as movem, porque são eles que lhes proporcionam as coisas tocáveis, e já ninguém é capaz de acreditar que uma vida segura tem como bases o que é invisível aos olhos e ao tacto.
Um dia, disseram-me "queres fugir? digo-te já que se fores para longe, podes esquecê-lo. amores à distância não resultam." Foi assim directo e gélido como vos digo agora. Se na altura ponderei naquelas palavras como na coisa mais importante do mundo e decidi adiar a minha fuga, agora vos digo: nunca me foi dito nada tão ridículo. Pura preguiça e comodismo. Se tivesse fugido, tenho a certeza que ele ia saber esperar-me, mesmo que as saudades apertassem. Ia ouvir-me sussurrar em todas as músicas que passassem na rádio e ia esperar, todos os dias, ansioso por uma carta minha no correio. Ia amar-me pela minha caligrafia nessas cartas e pela minha voz ao telefone, cada vez que ligasse a horas inesperadas.
Acredito eu assim, porque o mundo já avançou. Já ninguém sabe o que é tentar escrever o amor em cartas, porque os olhos estão longe e não podem falar por si só. Já ninguém sabe o que é apanhar comboios até um pedaço de felicidade que nos espera de braços abertos.
O amor existe, é real. E não olha a distâncias ou gerações.
O que caiu sobre o meu colo - porque o amor acaba sempre por cair sobre nós sem estarmos à espera - era frágil, misterioso, viciante e trágico. Exigia-me uma viagem de quase três horas de comboio, o que, tendo em conta a correria do mundo, nem me parecia muito. Podia tê-lo mantido entre as minhas mãos uma vida inteira; mal mo foi entregue, senti que podia ser para sempre. Ainda lhe sei de cor o sabor e o cheiro, mas evito recordar pelo medo da saudade. Neste exacto momento não fecho os olhos, para não ter de senti-lo num canto recôndito de mim - nunca aprendi a deitar fora os restos dos meus amores perdidos. Com os olhos inchados mas as mãos decididas, tive de o largar e desfazer-me dessa tragédia perfumada que me fazia festas no cabelo, me pegava pela mão e me olhava enternecido. É que até ele achou que os quilómetros eram demais para um desejo tão forte. Ai... como o mundo é controverso.
Ninguém se quer dar ao luxo de perder tempo, as pessoas querem ter tudo à mão de semear. Desde o copo com água até ao amante que usam a seu gosto para matar essa sede. Pois olhem, eu sempre achei que o Jorge é que tinha razão: "o tempo nunca existiu, o tempo é nossa invenção. se abandonarmos as horas, não nos sentimos sós. meu amor, o tempo somos nós."
E este monólogo poderia desenrolar-se ainda mais a partir daqui, para além desse amor cinematográfico que liga as pessoas e que eu defendo até à exaustão; que inspira escritores e poetas, mas não preenche os corações. É que os tempos mudaram e o mundo está assim... vazio de história.
Já ninguém é capaz de acreditar. E não é só com o amor à distância que isto acontece.
Já ninguém acredita em estrelas, porque já ninguém, sequer,
perde tempo a levantar os olhos para o céu.

27 março 2008

' Sabes o que subsiste no momento em que já nada subsiste? '

Queria poder encontrar-te num banco de jardim deserto e seres um velhinho. Pegar-te-ia pela mão e trazer-te-ia para casa. Lavava-te, cortava-te as unhas, penteava-te o cabelo, fazia-te a barba e tu ficavas sempre muito quietinho, a olhar-me cheio de ternura. Ficavas sentado no sofá da sala, com uma manta sobre os joelhos, e eu ficava à tua beira, a aquecer-te as mãos - grandes e secas, isso o tempo não tinha sido capaz de mudar. Tu mandavas um beijo para o ar que vinha bater na minha bochecha direita e me provocava um sorriso igual ao de quando eu ainda era uma menina.
Não falavas, porque nunca foste bom com as palavras, nem nunca soubeste lidar com o amor. Eu, já conhecendo isso, engolia o teu silêncio em seco e punha música a tocar, enquanto ia para a cozinha fazer mais um dos meus chás.
Quando voltava, de canecas nas mãos, tu estavas de pé à minha espera. Esticavas o braço na minha direcção, a tua palma da mão a chamar-me. Eu pousava as canecas e oferecia-te a minha mão a repousar na tua. Dançávamos como quando eu era tão pequenina que mal te chegava ao umbigo e encostava a minha cabeça à tua barriga, enquanto os nossos pés rodopiavam. Fomos sempre um grande par de dançarinos, ia-me lembrar disso nesse momento.
Havias de te cansar cedo do bailado, porque o vigor de outros tempos já te tinha abandonado o corpo. E morrias sem nunca ter pronunciado a palavra
Perdoa-me, mas eu ignorava esse facto, porque já te tinha perdoado no momento em que o tinha lido nos teus olhos.



Tenho as tuas mãos, os teus olhos e os teus tons. Podes imaginar o peso que isto tem sobre mim e que não tenho como abandonar...
E também tenho saudades tuas,
mas já não conheço o caminho até ti...
nem sei por que jardins te perdes.





fotografia tirada daqui.

12 março 2008

« Não me abandones nesta margem, eu sou parte da viagem. »

Os meus olhos estavam tão embaciados que a paisagem passava a fugir pela janela e eu nem a conseguia fixar. Não tive a noção do tempo a passar, porque entre o momento em que me sentei naquele lugar e o momento em que me levantei, não estive completamente consciente. Fui, a viagem toda, virada para a janela com os raios quentes a baterem-me na cara. As lágrimas não paravam de nascer; foram, o tempo todo, a balançarem-me nos olhos.
Quando estás só e a dor é tão funda que nem consegues pôr travão ao choro, só te resta a música. Foi assim que abri a minha mochila das viagens, que ia acomodada no banco ao meu lado (por mais voltas ao mundo que dê, aquele The Cure que traz estampada nunca desaparece), e tirei de lá o meu aconchego. Meti os phones nos ouvidos e foi quando comecei a sentir as primeiras festas na cabeça e o primeiro beijo na testa. Continuei a sentir a falta dum abraço amigo, algo tocável, mas, apesar disso, senti-me um bocadinho mais reconfortada.
Não soube amaldiçoar a minha falta de ponderação, a minha falta de visão para com o mais óbvio, a minha vontade avassaladora que me faz apanhar comboios para longe... Só soube sentir uma tristeza violenta nas mãos, nos joelhos, no peito, na cabeça, nos lábios, nos olhos.
Durante as horas que durou aquela viagem de regresso, a minha vida estagnou e pôs-se a boiar num plano acima de mim mesma. Eu não reagia a nada, nem aos sons ou imagens à minha volta. Caguei, literalmente, em tudo o que pode ter acontecido em meu redor. Acho que nunca antes tinha vivido uma sensação semelhante.
O meu olhar foi fixo num ponto qualquer do vidro que, apesar do Sol, eu vi sempre molhado.
Sabes como é... Sempre que te atiras de cabeça, arriscas-te a magoares-te. Eu sou das que acredita que, regra geral, vale a pena o risco. E quando mexe com o que te preenche o céu, nem tens tempo de pensar nos riscos; quando dás conta, já te atiraste. De qualquer das formas, é tudo demasiado fugaz para deixares de fazer o que o coração te pede e os seguros vitalícios aborrecem-me. Por isso, não pensei muito quando surgiu a primeira oportunidade de te voltar a abraçar.
Estatelei-me no chão, parti-me toda, e tu ainda foste lá pisar-me um bocadinho com a ponta do sapato. Que rico abraço, han.
Quando cheguei à minha estação, muito devagarinho, a vida veio voltando a mim. Limpei os olhos, respirei fundo, meti a mochila às costas e, quando meti os pés no chão, indiferente a tudo, comecei a fazer o caminho para casa. Naquele momento, tive o peso todo dum sonho de adolescente inocente acabado sobre mim.
Já não haveriam mais lágrimas nem mais bilhetes de comboio para esse destino, soube-o ali.











(...)
– Give me one good reason.
– 'Cause I'm different.
– Really? Okay, what color are my eyes?
– Well, at first glance, your eyes are brown. But when the light hits them, they change to amber. And if you look really closely around the iris, the color is pure honey... But when you look into the Sun, they almost look green. That's my favorite.
How did I do?
– I would've settled for brown.


Maldito sejas, que vias sempre verde nos meus olhos.

25 fevereiro 2008

« when we were teenagers, we wanted to be the sky. »

lembras-te quando eu era pouco maior que o muro do quintal e vestia um maillot cor-de-rosa? não ia às aulas de inglês, no colégio, para ir às de ballet. a professora pedia-nos que usássemos maillots pretos, mas eu sempre gostei mais do cor-de-rosa. as collans e as sapatilhas com um elástico de enrolar à volta do tornozelo... era na altura em que dançava muito e era feliz assim; não me cansava e o ar nunca me faltava. ficava sempre à frente porque sabia todas as coreografias e, assim, as meninas que não sabiam tão bem podiam ir olhando e imitar.
olhava para as sapatilhas de pontas da professora e pensava se algum dia poderia usá-las. sei agora que não.
todas as miúdas, em determinada altura da vida, sonham ser bailarinas, não é? ou, pelo menos, saber dançar sem pisar o parceiro, não vá o príncipe aparecer-nos sem estarmos à espera e puxar-nos para dançar. pelo menos, costumava ser assim com as princesas da Disney.
mais tarde, passei a comer romãs deitada na tijoleira da sala. cortava a franja rente, com a tesoura de cortar papel, porque estava farta de ser uma menininha pequenininha; pff, só as meninas pequeninas poderiam usar franja. quando a minha mãe saía de casa, ia buscar a minha roupa preferida à máquina de lavar e vestia-a mesmo suja; ou aquela, ou nenhuma.
já sem franja, parece-me, fiz uma amiga. uma amiga das que valem muito. uma amiga, no verdadeiro significado da palavra. não sei como aconteceu, porque nem éramos da mesma sala... ela era um riso só. um riso, era ela. acho que era feliz, porque parecia-me que não sabia o que era, por exemplo, acordar mal-disposta. tinha sempre um sorriso nos lábios, e era contagioso. dizia parvoíces que me faziam rir até a barriga doer ou me caírem lágrimas dos olhos. éramos miúdas e inseparáveis. havia uma ligação mágica entre nós, que nunca voltei a sentir com mais ninguém. brincávamos ao nada, que era rir das coisas mínimas. acredito que foram as minhas melhores gargalhadas, de sempre. ela fazia-me cócegas, ouvia-me quando estava triste e fazíamos teatros das histórias dos livros de BD que líamos. ela era meia louca, e duvido que alguma vez tenha passado pela fase se sonhar ser bailarina... a minha amiga tinha oito anos e dizia que queria ser professora de educação física, quando fosse grande. eu dizia que queria ser pintora.
tão triste como um último dia de Verão, foi o dia em que nos separámos... mas não havia nada a fazer, chega sempre a hora de mudar de escola. dissemos juntas adeus ao sítio que nos tinha juntado - Arte Mágica, curioso... - e trocámos números de telefone e moradas. mal sabíamos escrever sem dar erros ortográficos, mas passámos todos os anos seguintes, até entrarmos na adolescência, a escrever uma à outra.
às vezes, ainda nos encontramos. está igualzinha à amiga que fiz com oito anos. o ar de bem com o mundo é o mesmo, e o olhar também. é quase grande e, passados mais de dez anos, está a estudar para ser professora de educação física.
eu é que já não vou ser pintora. o mundo trocou-me os planos e os riscos da tela. ouvi sempre primeiro o mundo, em vez de me ouvir a mim. tomei todas as opiniões e conselhos como importantes, e esqueci a minha vontade - é um erro terrível.
os anos passam e há coisas que não mudam. continuo a ouvir-me quase em último plano e a deliciar-me com os meus velhinhos filmes da Disney, como quando ainda nadava de braçadeiras. todas as personagens me recebem sempre como no primeiro dia, o que me deixa com uma leve nostalgia. a pequena sereia continua com uma farta cabeleira ruiva e não envelheceu nem um dia; o simba continua simpático, leal e justo: o rei que todos desejam; a pocahontas ainda anda descalça pela floresta e a avó willow está velhinha há anos, mas ainda se aguenta bem;
o pinóquio esqueceu de vez o que é mentir; e a branca de neve continua a viver feliz com o seu príncipe, e ainda diz que é para sempre. vejo que nada mudou, com nenhum deles, e suspiro aliviada.
cá fora, já estão todos envelhecidos. metade já se foi e a outra metade continua a lembrar a Ritinha com o mesmo sorriso no olhar de quando eu ainda mal sabia falar. o mundo está velho e eu ainda não cresci. ainda não aprendi a política, as acções, os investimentos, as contas por pagar, os seguros, as rugas e as guerras. ainda não aprendi a virar a cara e a não acreditar que três quartos dos sonhos de infância morrem à deriva. ainda estou na idade dos excessos, das viagens a cada mês, dos vinte cêntimos no bolso, do ritmo no corpo,
da paz e do amor, da roupa amarrotada e dum quero-lá-saber atirado ao ar, do rabo no chão, do cabelo por pentear, do quarto por arrumar, da música alta no rádio do carro, das noites perdidas mas estreladas, do fumo e do desejo, dos improvisos, dos planos à última da hora, das tendas mal montadas e das estradas sem fim à vista.
ainda quero ser o céu... sem precisar de chão.
o mundo pede-me que guarde as memórias bem escondidas - e os sonhos, já agora - e que aprenda a ser grande. o peso das decisões e das responsabilidades.
eu só sei que, quando for grande, quero ter um maillot cor-de-rosa e uma amiga que me faça rir até mais não poder ser. o resto... ainda estou por descobrir.






18 fevereiro 2008

Os sonhos dão trabalho.

A minha casa tem os tectos altos, como as mais antigas de Lisboa. Tenho de me pôr em bicos dos pés, no degrau mais alto do escadote, para mudar as lâmpadas dos candeeiros, e fico sempre com medo de cair. O chão é feito de madeira, então eu posso andar sempre descalça sem me preocupar se vou começar a espirrar. O soalho abafa o som dos saltos altos das amigas que me visitam e a tralha que me cai sempre da mala, quando tento encontrar as chaves, que estão sempre bem lá no fundo.
A minha casa tem janelas grandes e duas varandas floridas: uma na sala, a outra no quarto. Tem luz o dia todo, foi por isso que gostei tanto dela desde o início. A sala é grande e é a minha zona preferida da casa. Tenho um sofá comprido o suficiente para me conseguir esticar, com uma manta colorida por cima. Quando me deito nele, fico virada para a janela e consigo ver o céu e as pontas das árvores.
Há cores por todos os lados. Há paredes pintadas de laranja, rosa e bordeaux, onde pendurei umas quantas telas pintadas pela minha tia. Há molduras com fotografias, por todo o lado, de todos os que me são queridos e dos meus sorrisos mais iluminados.
Caixas, caixinhas, espelhos, velas, candeeiros e almofadas. É uma confusão de cores e texturas que me faz feliz.
Muitos dos móveis foram restaurados e estão cheios de histórias são os meus preferidos. Volta e meia, a tia Rosa bate-me à porta, sem aviso prévio, e entra cheia de sacos:
Ritinha, a tia trouxe umas coisas novas cá para casa!
Quando dou por conta, já ela está a mudar as mobílias mais pequenas de lugar, as almofadas do chão que estavam ao pé da lareira já estão ao pé da janela, os castiçais da entrada já estão na cozinha... Pára por um minuto, fica a observar o ambiente para ver se as alterações ficaram bem, torce o nariz, sorri-me e diz 'vá, anda ajudar a tia!'. Mete as botas a um canto e, cheias de vontade, pomo-nos as duas a redecorar a casa.
Às vezes, acordo com uma vontade violenta de ter uma parede lilás ou magenta. Saio da cama, abro as cortinas, ligo a aparelhagem, coloco um CD que goste muito e passo a manhã com o rolo e a trincha na mão.
Na minha casa, há muitos livros nas prateleiras e revistas de decoração e viagens espalhadas pelo chão. Também há umas quantas pilhas de álbuns que amigos me oferecem, porque sabem que gosto de música mas sou desleixada em andar a par das novidades.
Além do quarto onde durmo, tenho um outro com uma escrivaninha encostada à parede, com a janela mesmo por cima; é a minha mesa de escrever. É onde mora a minha máquina de escrever, que comprei em segunda mão quando ganhei o meu primeiro ordenado. Quando me sento em frente a ela, fico a olhar pela janela, para a vida que corre lá fora, e os dedos acabam sempre por me cair nas letras.
A minha casa cheira a quente. Cheira ao doce aroma das flores silvestres que se colhem e deixam secar, entre as páginas dum livro pesado. Ao perfume que se mistura entre os cabelos, quando se deixa o incenso a queimar. Cheira a fragrâncias do Oriente e ao exotismo dos roteiros mais inacessíveis. É um verdadeiro abrigo, do corrupio do mundo. A minha casa sabe, verdadeiramente... a lar.
Ajeito as flores que estão na jarra de barro que comprei numa feira, há anos atrás, e olho para a moldura que está ao lado. A fotografia é da minha adolescência. Nunca fui capaz de me desligar dela, nem do momento que ela eterniza.
Vou à cozinha fazer chá e volto para a sala com a caneca nas mãos. Abro a porta da varanda e, quando saio, os meus pés estranham a tijoleira gelada. Mesmo assim, venho para fora e sento-me na cadeira de baloiço, de onde fico a ver o dia morrer. Toda a minha juventude sonhei com este momento.
Tenho quase trinta anos e um sonho, com mais de dez anos, concretizado. Só por isto, há mais que motivos para as estrelas (me) brilharem, não acham?









12 fevereiro 2008

A.,

és o melhor amigo que se pode ter. Eu sei que achas que tenho o meu coração ocupado por centenas de pessoas e que o espaço que tu ocupas nele é igual ao de outros tantos mínimo. Mesmo assim, eu quero que saibas isto: és o melhor amigo que se pode desejar.
A minha vida corre, tropeça, anda às cambalhotas e, volta e meia, estagna. Quando olho para a tua, vejo-a sempre igual: sempre a mesma caminhada, ao ritmo do costume. Nada de pressas, nada de exageros. Não sei se é bom ou se é mau, a mim parece-me... equilibrado.
Isto para me fazer ver que, durante todas estas minhas fases, nunca desapareces. Quando tinha os joelhos sujos de tanto rastejar ou o sorriso iluminado de tantas vezes chegar ao céu, bastava-me olhar para o lado, e estavas sempre por perto.

Pela primeira vez, resolveste esconder-te. Eu entendo essa dor, a de ter o coração todo embrulhado e com uns quantos nós (quem me dera não ser eu a responsável por tal agonia...). Resta-me compreender, esperar e aceitar as tuas decisões.

Se estivesses mais ao meu alcance, hoje íriamo-nos rir até as estrelas nos caírem nos olhos. Sonhámos tanto com este dia... Tu dizias que estavas farto de ter de conduzir sempre para todo o lado, enquanto eu me ria e metia os braços para fora da janela. Subíamos e descíamos montanhas, por estradas desertas, a cantarolar as nossas músicas. Às vezes, paravas o carro e saímos para ver a paisagem. Era sempre tão bom...
Hoje, apesar de não te ver, sei que estás . Queria ter o teu abraço e poder dizer-te, de sorriso rasgado, que na próxima viagem, já sou eu que levo o carro. Como não posso, vou escrevê-lo na tua parede, e esperar que apareças para ler. Pode ser presunção minha, mas acredito, o mais forte que sei, que vais acabar por aparecer.

Tu, logo tu... que cheiras tão a verde e a música. Eu nunca conheci ninguém tão música como tu; sentia que tu oferecias claves de sol às pedras, às árvores, aos candeeiros da rua, às nuvens e ao Sol. E, por outro lado, bastava dar-te uma caneta para a mão, que pintavas o mundo todo num simples guardanapo.
Confesso que tenho saudades que me pintes jardins nas mãos ou em folhas de papel. Que me apertes as bochechas, me despenteies e me gozes, por algum do meu estranho vocabulário. Saudades que digas 'tu és uma menina, Rita...', e de esticar o braço e poder alcançar-te.
Poderia enumerar centenas de coisas que me aborrecem em ti, mas seria desnecessário: os irmãos, apesar de todos os defeitos, continuam a amar-se como parte de nós que vagueia por aí.

Se eu pudesse escolher, entregava esse Amor que me deste a alguém melhor. Fazia-te forte, porque as circunstâncias me ensinaram que a força interior é tudo. Obrigava-te a abraçares o teu pai todos os dias, porque, como eu, não quero que um dia te esqueças do que isso é. Fazia com que entendesses que as mães sofrem mais que nós com as nossas lágrimas, e, então, sorrisses sempre para a tua para não a veres triste.
Porque gosto de ti, tão simples como isso, e te quero bem.


Gostava que ligasses aos meus conselhos, porque, mesmo custando, o de hoje seria:
deixa de ser tão resmungão e vai ser feliz.
Mesmo que, para isso, tenhas de fugir daqui...








(faz de conta que em vez de sexto, é sétimo. e é para ti. *)

21 janeiro 2008

« Se tu fores o meu final, eu serei o teu começo. »

Acordo de madrugada com a imagem do teu riso a boiar-me nos sonhos. Tens uma forma tão tua de rir, que me faz arrepiar por dentro, como se todas as luzes que tenho espalhadas pelo corpo se começassem a acender e a apagar muito depressa, e a fazer-me cócegas. É inútil tentar adormecer de novo; todo o meu corpo chama pelo som da tua voz e das tuas gargalhadas contidas. Respiro fundo, dou meia volta na cama, olho para a janela... ainda nem o dia começou a nascer.
No meio deste escuro todo, deste silêncio todo, tudo parece tomar uma dimensão gigantesca. Fecho os olhos e tento concentrar-me numa imagem bonita, que nada tenha a ver contigo, mas, quando dou conta, já tu me entraste no cenário por uma qualquer razão disparatada. Chateio-me, insulto-te em pensamento e pontapeio os lençóis até ficar quase destapada.
No meu mundo, não há ninguém tão bonito como tu. As lembranças que tenho de ti são das mais brilhantes que guardo. Mesmo assim, às vezes, só queria conseguir largá-las por uns momentos, para poder descansar deste corrupio que é ter-te sempre a pairar na ideia.
Estás na caneca de leite com café que eu bebo de manhã; no sorriso dos meus pequeninos quando gritam, ao ver-me: Tita!; nas músicas que vou cantarolando nos meus percursos a pé até alguma responsabilidade; no chá bem quente que bebo ao final da tarde, no café, quando já mal sinto as mãos; no papel e na caneta com que tento escrever alguma coisa; na água que me desliza pelas costas, durante o duche que tomo ao final do dia e na minha almofada, quando estou quase a adormecer. Estás no chão que piso e no ar que beijo.
Sinto-me exausta e deixo-me mergulhar nesta saudade que me dá trincas no peito; já não posso fazer mais. Sinto a falta de todos os teus gestos, de tudo o que és. Da luz que mostras quando conversas, olhas, desejas e sorris. Quem me dera saber desenhar melhor para poder ilustrar tudo o que vejo em ti, com aqueles pastéis que sujam os dedos...
Sinto a falta dos teus catorze olhares por minuto, quando há outros, bem mais perto, capazes de quarenta no mesmo tempo. Mas o que me importa isso? Os outros são demasiado
terra-a-terra e eu gosto é de ti, sonhador. Mesmo quando há uma menina que diz que são os terra-a-terra que se conseguem safar, neste mundo... Eu acredito que sem os sonhos, pouco somos.
Numa noite como esta, só queria poder telefonar-te e ouvir-te. Só queria viajar até essa cidade que te esconde atrás de fotografias e postais. Trocava todas as luzes de Lisboa por esse reencontro.
Opto, antes, por me esconder debaixo dos meus lençóis e estico o braço até à mesa-de-cabeceira. Meto os phones nos ouvidos e deixo-me consolar por meia dúzia de vozes que quase me acalmam a dor.
O dia há-de romper pelo quarto adentro e eu ainda hei-de estar estagnada na imagem do teu riso a avassalar-me o sono. Mesmo assim, não tiro a música do play, e tento adormecer com uma única certeza:

O meu abraço tem a forma do teu corpo.

19 janeiro 2008

' I need you so much closer... '

Os meus sonhos têm estado cobertos de crianças. E não só os que se têm de noite, no quentinho dos lençóis; também, e principalmente, os que se sonham acordada.
Nos meus sonhos, existe uma casa baixinha mas ampla, amarela, com telhado cor de tijolo. Está plantada no meio dum nada verde verde verde: o chão é relva fresquinha e a vizinhança é feita de árvores de todas as espécies. O céu é do azul que só muda para rosa ao final do dia, e há nuvens muito brancas a boiarem por cima das nossas cabeças.
No meio do jardim, há tantos pequeninos... Uns correm atrás das borboletas, outros observam, curiosos, um ninho de formigas, outros brincam aos mágicos e aos anões... E eu sinto o meu peito a encher, como se estivesse no verdadeiro país das fadinhas.
Canto com eles, leio-lhes histórias, pego os mais pequeninos ao colo, recebo beijinhos e dou abraços, escondo-me atrás das árvores mais gordas, na hora de jogar às escondidas, e dois meninos oferecem-me os desenhos mais bonitos que eu alguma vez vi.
Quando vejo um grupo de meninos e meninas, pouco maiores que um duende, numa rodinha, de mãos dadas, a girarem ora para um lado, ora para o outro, e a cantarem o mais felizes que sabem, sinto os meus passos a levarem-me até eles.
São lindos, e há uma menina de cabelos escuros, e um e outro caracol, que brilha mais que os outros. A música ainda nem chegou ao fim, mas ela sai da roda e vem, com o ar mais ternurento que eu alguma vez vi num rosto tão pequenino, na minha direcção. A cinco passos de distância, ela pára e abre-me os braços.
E quando as lágrimas já me espreitam nos olhos, o sorriso é o mais sincero de sempre e o coração já me disse tudo o que preciso saber, ouço uma vozinha vinda
não-sei-bem-de-onde que me segreda ao ouvido:

Sim... é a tua Nônô.




10 janeiro 2008

« I'm eighteen, and I don't know what I want. »



Com o vestido mais bonito que havia no armário e uma chávena de chá de frutos silvestres nas mãos,

sinto mais um ano a cair-me em cima.

E uns quantos fantasmas à minha volta.

02 janeiro 2008

« De mim, só me falto eu. »

Quando o frio é tanto que já nem sabes como fazer aquecer, só te resta abrir a mão para o ar. Com um bocadinho de sorte, há alguém ao teu lado que estica o braço e te agarra.
Eu estava deitada na areia, quando o céu já tinha explodido no meio da noite. Não me lembro de estar frio, como não me lembro de quantos passos dei até ir ter àquela praia. A música de fundo era horrível, mas eles estavam a adorar. E como ter pessoas felizes à nossa volta pode ser contagiante... não me queixei.
Quando fechei os olhos, não vi nada. Nem as estrelas, nem as linhas do teu rosto.
Haviam garrafas vazias perto das mochilas, a areia estava gelada, a minha roupa estava húmida e ouviam-se os risos ao longe. E foi assim que eu ali fiquei deitada mais umas quantas vidas, apenas a ouvir, até me falarem do reflexo da Lua no mar.
Sei, agora, do brilho que me fugiu... Os meus olhos não têm cintilado e já ninguém fala do meu sorriso, porque já não o reconhecem – nem mesmo eu.

Tenho saudades tuas;
mas tenho ainda mais saudades minhas.

Rezo para não me deixar acinzentar, enquanto me dou conta da cinematografia dos dias – na verdade, nunca vivi muito sóbria.
Quando abro os olhos e levanto as costas da areia, vejo que alguns dançam e cantam, outros correm, outros estão parados em jeito de meditação... Surreal, diria eu, só por graça.
Acredito que me apeteça cantar também, mas não me lembro das letras de nenhuma música. Então, quando a manhã já está quase a nascer e o frio se volta a sentir no corpo, lá estico eu o braço e estendo a mão para o ar. E vejo uma mão que me parece familiar, que agarra a minha e me puxa para cima. Sorrio de dentro para fora, porque é ele, o meu velho anjo da guarda.
– Quando te cansares das minhas loucuras, não sei quem é que vai estar ao meu lado para tomar conta de mim...