30 dezembro 2006

This is fact, not fiction.

Passado um ano, continuo no mesmo sítio.

('Esquece esse sítio. Os sítios são só um chão que pisamos.')

Continuo presa ao mesmo homem, 'apenas' com umas ligeiras alterações sentimentais... Típico (em mim).

A minha gata continua a vir enroscar-se no meu colo, e eu continuo a deixá-la sempre ficar. Apesar de continuar tão alérgica a gatos...

Continuo a ouvir o mesmo médico dizer-me que tenho de pôr uma estúpida bomba, todas as noites, para conseguir respirar. E continuo, tantas vezes, a ignorá-la e a acordar de madrugada... aflita.
(Não tem importância. O coração, pelo que sei, é forte. E eu não gosto de dependências. Aguentar três noites inteiras, sem pózinhos por dentro, já é bom. Mas chegaremos às sete. [não se faz isto a uma mãe...])

Continuo a viver na relva. Entre uma papoila e um cogumelo.
E a sonhar com uma máquina de escrever e um caneca de chá quente, numa varanda florida de Évora.




(Mas sabes que mais? Aprendi uma coisa:
Quando choras, com uma garrafa na mão, sente-te feliz. Era bem pior se estivesses com as mãos vazias.)




/me on Camera Obscura (é, dão-me prendas bonitinhas)

27 dezembro 2006

« O meu lado esquerdo... (...) É o lado com que eu choro e com que eu sinto. »


Depois de uma noite de facadas no peito, que te deixa a tremer e a soluçar, sem te deixar pregar olho, recebes um abraço com cheiro a malmequeres e papoilas. Há uma lágrima que escorrega e te desliza pela cara, mas tu depressa a limpas e dizes 'Estou bem...'.
Mas, nessa altura, tu já sabes: não se engana uma Mãe.

Vestes o casaco mais quente que tens no armário. Não é teu, mas sabe melhor vesti-lo sabendo disso.
É dele. Deu-to num dia gelado, porque estavas a morrer de frio (sim, ele tem razão: andas sempre mal vestida). Trouxeste-o para casa e ficou teu, mas fazes tensões de lho devolver no final do Inverno. Fica-te enorme. Tapa-te as mãos e quase que te chega aos joelhos, mas tu ama-lo por isso mesmo.
Metes o capucho na cabeça, enfias as mãos nos bolsos, e sais.

Para ti, nunca um dia esteve tão gelado. Nem nunca uma noite foi tão longa.
As lágrimas são demasiadas para dois olhos só, e caem umas a seguir às outras. Nunca, nunca sentiste tanto: o medo, o frio, a raiva e a morte.
Procuras os phones nos bolsos de trás das calças, mas não os tens contigo. Tens pena. E cantas sozinha, sem música.

‘A Rita é poética.‘, disse uma noite o Gil.
E a única coisa que te dá interesse, quando conheces alguém, é tentar descobrir a sua poeticidade. Há aqueles em que se vê logo, assim que dizem as primeiras palavras, que não vivem da poesia. Nem tão pouco de Letras ou sentidos. Há outros que tentam, mas é só para impressionar. E há aqueles (tão, tão poucos), perdidos em cantos remotos, que transpiram poeticidade. Até hoje, só conheceste meia dúzia de seres assim. E nunca desejaste tanto ter um deles ao teu lado, como nesta tarde.

Os filhos amam os pais. Os pais amam os filhos. É assim que deve ser.
Mas, de repente, já nem nisso pensas. Tens uma dor demasiado profunda no peito para conseguires raciocinar.
Mistura-se tudo.
Choras pelo amor que desapareceu, de quem te fez existir. Choras pelos sorrisos dos príncipes, que já não são capazes de calar os risos das fadas más. Choras por já não seres capaz de lhes pintar um céu roxo e cor-de-rosa, no tecto do quarto, para eles poderem sorrir cada vez que abrem os olhos.

Amas tanto, pobrezinha.
Sentes tanto... O mundo inteiro, dentro do teu pequenino coração.
E amaste sempre mais as fadas e os duendes que não tocaste, do que todos os Homens que se cruzaram contigo nessas ruas e te fascinaram.

Quando finalmente chegas até ele, percebes que não foi uma surpresa agradável. Está admirado por te ver, e nem sabes se é de trazeres o seu casaco vestido. Pedes-lhe, a desmoronar por dentro, que fuja contigo. Basta apanhar um comboio, para se ser feliz. Só precisas dele para partir.
Percebes logo que te vai dizer que não. Ouves umas desculpas no ar, mas não são mais do que isso: desculpas. Por fim, ouves o definitivo não como mais uma faca espetada contra o peito.
Viras costas e desapareces, com as lágrimas a dançarem-te nos olhos.
Sabes que o Amor te devia salvar e ajudar a escapar da morte, e sentes uma raiva profunda de ele, em vez disso, te estar a cavar a sepultura. Queres bater-lhe e gritar-lhe que não precisas de um Amor egoísta, mas já não tens forças. Limitas-te a bater em retirada, com os olhos já mais verdes que castanhos.


(A Rita só precisava de ir até essa estação, onde um abraço quente a espera e lhe quer secar as lágrimas.
A Rita nunca precisou tanto sair daqui e ir até um sítio melhor, com Amor...
É só um comboio. E ninguém a deixa ir ser feliz.)




/me on Clã - Lado Esquerdo

25 dezembro 2006

(vem, meu amor. mas não tragas o Janeiro contigo, por favor.)

dezassete anos.

que não são dezoito.



(entendem, oh senhores?!
oh! psht! e não se fala mais em Números.)

12 dezembro 2006

' Pai, às vezes. '

Foste aquele que eu mais amei, em tempos.
Fui aquela que tu mais amaste... em tempos.
Revoltaste-te contra toda a família, toda a vida. Amavas, e continuas a amar, cada um deles; mas nunca soubeste dá-lo a entender a ninguém. Eras (és) um revoltado. Cheio de traumas de infância que não te deixam ser bonzinho e descansado. O álcool e o cigarro foram só uma bengala que tu pensaste que te ajudaria a caminhar pela Vida. Transformaram-se na pior arma: contra ti mesmo, e contra todos os que viviam à tua volta. Felizmente, passados anos e anos e anos, conseguiste largá-las e começar a dar os primeiros passos sozinho, como um autêntico bebé. Sem vícios ou essências que ajudem a fazer decorrer a Vida, a suportá-la anestesiado.
Quando eu tentava desculpar os teus erros com a história da infância e da revolta haviam sempre vozes a dizerem-me que ignorar a Maldade que mora num coração não é a melhor táctica. Mas eu nunca soube acreditar em Pessoas Más... Achei sempre que o mundo era feito de gente boazinha que, de vez em quando, se portava mal. Mais nada. E deve ser por isto que, ainda hoje, me chamam de ingénua...
Ouço a voz da Mãe a contar tantas vezes a mesma história: vínhamos no avião, de regresso dos Açores, e eu disse-lhe 'Sabes Mãe, eu acho que agora já consigo gostar tanto de ti como do Pai...'. Tinha seis anos. E gostava mais de ti do que de qualquer outra pessoa, apesar de te ver seres mau, tantas vezes.
Fui sempre a mais quieta e calada. As educadoras perguntavam vezes sem conta, à Mãe, se estava tudo bem. Todos os meninos do colégio brincavam e corriam dum lado para o outro, e eu só queria ficar sozinha num canto da sala ou do recreio. Eu lembro-me tão bem...
A Mãe foi sempre a mãe e o pai da casa. E o Mano, anos mais tarde, transformou-se no pai, também. Tão crescido, tão bonito... Tão humano.
As pessoas que te conheciam bem diziam 'A filha é a única pessoa de quem ele realmente gosta...'. Eu não achava bonito, mas não deixava de me sentir feliz.
Fomo-nos perdendo, com o passar dos anos. Tu já não és o mesmo, e eu... muito menos. (Embora, muitas vezes, me continue a sentir a mesma menina desdentada que te pedia colo.)
Contrariei-te em muitas coisas, por as saber erradas. Parti sempre de coração apertado, cada vez que fechei a porta e te deixei sozinho e a chorar, ao mesmo tempo que me pedias para ficar. Defendi sempre a Mãe e o Mano o mais que pude. A Mãe defendeu-me sempre a mim e ao Mano o mais que conseguiu. O Mano continua a defender-nos sempre o mais que pode, e ainda mais um bocadinho. E eu já nem sou capaz de te defender a ti...
És tão nada... sabes? E tanto, ao mesmo tanto. Com tanto para contar, para ensinar. És inteligente e sabe-lo bem. Usas-te disso, tantas vezes... Eu já quis muito ouvir todas as tuas histórias e aventuras, mas cansei-me de esperar.
A única pessoa que realmente respeitavas – o teu Pai – já nos deixou e tens motivos para te orgulhar dele. Como eu não tenho teus.
Já não me recordo sequer da última vez que rimos juntos... Mas recordo-me da última vez que falámos. A última frase foi minha: 'A minha vontade é a de nunca mais olhar para a tua cara'. A minha voz tremia e quase que me falhava, e tu fazias um ar de indignação. Foi há sete meses atrás.
A minha vontade mantém-se a mesma, mas o coração já começa a querer ceder, de vez em quando. Nessas alturas, eu faço questão de me relembrar de tudo e digo 'não, desta vez não'.
A Mãe, às vezes, descai-se. Diz 'és tal e qual o teu Pai...' e, depois, repara no que disse e arrepende-se. Não faz por mal...
Mas é. Somos tão parecidos que dói. E o meu maior medo é, um dia, vir a ser tão má mãe como tu foste pai.
A Tia Rosa, quando me telefona, pergunta por ti e eu digo que deves estar bem... Ela acha que já passou muito tempo e que devia deixar-me de rancores. E não é a única com essa opinião. Mas acho que já não consigo lidar de outra forma com isto.
Pela primeira vez, faço de conta que me estou a borrifar para ti. Podes gritar, morder, rasgar, morrer... que me é indiferente. Faço de conta que estou bem, sem ti, e tu nem chegas a saber que não estou.
Ás vezes, acho que foste para a cova com o teu pai. Morreste com ele, e não choraste uma única lágrima. Eu queria abraçar-te e trazer-te de volta, mas já não sou capaz. Na verdade, acho que nunca fui. Tu é que, antigamente, te davas ao luxo de representar um bocadinho melhor...

A tua tristeza anda-te estampada no rosto. Mas não penses que a minha não existe... Eu é que teimo em escondê-la de ti, para pensares que já nada vindo de ti me atinge.

É que eu queria amar-te tanto, Pai...
Mas eu acho que já não consigo.






Entrei em casa pela porta das traseiras e tu estavas na cozinha. Quando desviei a cortina tinha-te à minha frente e soltaste um 'Bom dia!?', que me apanhou completamente desprevenida. Olhei-te indignada e virei-te as costas, sem dizer uma única palavra.
Enquanto subia as escadas e entrava no quarto, senti o coração a comprimir-se dentro do peito. São os piores momentos... Teres de negar alguém que amas. Sobrepor a razão à emoção. Senti-me a mais Má das Pessoas à face da Terra e fui meter-me debaixo do chuveiro, onde as lágrimas se misturaram com a água bem quente que não parou mais de correr.

02 dezembro 2006

Noite, noite, noite.

Noite, noite, noite.

Balanceio-me pelas estradas de terra até ao parque mais amado. Como sempre, lá está o meu baloiço vazio. A chamar-me os pés e as mãos. As pernas mexem-se e, sem dar conta, lá estou eu sentada. A tentar tocar com as pontas dos pés o grande manto negro, que está colado ao tecto. Hoje, há milhares de pontinhos brancos que brilham mais cada vez que o balanço me empurra para o céu.
Canso-me tanto. Dói-me tanto.
Desisto... Esta noite não vou conseguir tocar o céu.
Caio exausta para a frente e a minha cara enche-se de areia. Levanto-me e sacudo-me. Meto os phones nos ouvidos e danço a ouvir a Margarida. A Nônô (pequenina, pequenina) sorri muito, num lugar secreto de mim, e mexe-se feliz. Tal como eu, sente na Margarida uma magia infantil que lhe nasce na voz. Cantarolamos juntas até a linda Nônô fechar os olhos cansados e adormecer.
Sorrio muito, feliz, a vê-la descansar. Devagarinho, vou diminuindo o volume da canção, até se deixar de ouvir.
' Boa noite, meu amor. '
Caminho muito, sozinha... Noite, noite, noite.
Relembro o rosto de todos os que me fizeram feliz. Penso nas fadas que guardo dentro das minhas bolinhas de sabão, adormecidas. Nas meninas sorridentes e nos meninos mágicos que guardo no peito.
Tiro uma caneta e uma folha branca do bolso, e rasgo-a aos pedacinhos. Em cada um deles escrevo uma mensagem não-endereçada. Cada pedacinho tem um cheiro único. Cada pedacinho branco ganha cor.
Das palmas das minhas mãos voam todos os pedacinhos, às voltas numa ventania que sabe a magia. E a esperança que resta é a que cada um deles vá ter ao endereço que não foi escrito...
A cada dez passos, paro para descansar. E olho à minha volta. Tudo é solidão, tudo é noite. O morango mágico, dentro do bolso do meu casaco, dorme. E o arco-íris que trago trancado na cabeça e no peito está apagado.
Esfrego os olhos e salto à corda. A cada dez saltos, paro. Os meus olhos embaciaram. O brilho dos meus olhos e do meu sorriso está colado lá em cima, no grande manto negro. Roubaram-no de mim, enquanto comia uma cereja.
Apagaram o meu brilho, no meio desta noite gelada. Toco às campainhas, mas nenhuma porta se abre.
Caiem-me lágrimas quentes pela cara e lembro-me duma voz que dizia 'Que bochechas gordinhas!'. Quando me sento no passeio é porque já não aguento mais. Os meus pés morrem, exaustos e perdidos.
Deito-me no chão e fecho os olhos. Relva cresce à minha volta e as pedras geladas do passeio tornam-se macias.
Devagarinho, a pequenina Leonor passa a mão pelos meus cabelos e brinca com um canudo perfeito. Não chega a acordar, mas volta a adormecer. Dormimos juntas num passeio alcatifado de relva fresca e ouvimos a voz da Margarida nos nossos sonhos.
Noite, noite, noite.

9 Novembro 2006




(Na manhã seguinte, haveríamos de acordar com um pequenino espirro Dela: atchim!)




/me on Margarida Pinto