22 novembro 2008

« Hoje sei que estou crescida: não tenho fé nem alegria nem confiança em nada do mundo. »

Vagueio pela cidade que me viu nascer, essa que serve de inspiração aos poetas, fechada num escuro rasgão que me fere para lá dos ossos. Não há luz nenhuma ao alcance da minha vista capaz de me abençoar os passos ou as escolhas. Quem sou eu e para onde vou, neste lugar sangrento e feroz onde querer só tocar o céu já não chega?
A intelectualidade das mentes fere-me. O mundo, em geral, também. Está infectado de protocolos regidos pela pobreza de espírito.
Recuso-me a compactuar em silêncio, apenas com a caneta na mão para ir tirando notas, com as parvoíces dos homens e acabo com as mãos todas fechadas para mim. E agora?, pergunto-me enquanto vejo, no metro, um homem com a barba por fazer - aprende a resistir - com claves de sol a boiarem-lhe por cima da cabeça. A resposta, não a vejo, nem mais às claves que entraram com o seu dono na carruagem da frente.
Há um mágico que cospe àzes de copas nas ruas bêbedas do meu desconsolo. Abro o peito, com a maior calma imaginada e um pequeno sorriso, enquanto digo à minha amiga: já acreditas que a magia existe? Só quando já venho a descer para o Cais, me lembro que me esqueci de o pedir em casamento. Esta noite ainda lá estará - ainda há cartas por aparecer saídas de dentro da manga ou de detrás da orelha - mas os meus lábios estão por pintar. Haja romantismo.
Faz falta uma madrugada de chuva que afogue o rio que me olha, todos os dias, cheio de fragmentos do que fui e deixei. E lá está ele, na outra margem, o príncipe de trapos que me assombrou a juventude. Fode-me agora, que já nada me importa, que já não tenho morada onde ancorar os meus sonhos. Eu sempre desconfiei: as minhas lágrimas são açúcar na tua boca.
E agora, assim chego ao fim: sem nada de mim que seja (m)eu.
Fiz-me velha cedo. Aprendi a gostar de velhos, também. Descobri que os bancos de jardim, aqueles onde bate o Sol das cinco, têm mais vida quando lá se senta alguém do tempo d'a menina dança?.
Leia-se aqui: quando eu morrer, que se ouça murmurar sob a lembrança de mim: em miúda, nenhuma dor lhe corroía tanto o peito nem lhe pesava tanto no choro, senão o sonho de ter nascido no tempo da palavra.



fotografia tirada daqui.