23 dezembro 2010

desassossego

havia uma sala cheia de gente. era uma exposição, talvez a inauguração. abria-se um corredor no meio das pessoas e o saramago lá estava, velho e curvo, dentro de um fato escuro. eu abria os braços, e ele abria os braços. sorríamos de braços abertos no meio da sala cheia de gente e não víamos ninguém. quando me aproximei e nos abraçámos, ele continuava a sorrir. eu chorava. ele dizia: nunca hesites em vir ter comigo. tinha o corpo cansado e trémulo, mas o melhor abraço da sala. eu chorava, e ele sorria-me, e eu já chorava e sorria. quando nos largámos, eu deixava-o no mesmo sítio. eu afastava-me e ele olhava para mim com o mesmo sorriso, que era meigo e crente e de quem já desvendou todos os mistérios do mundo. e eu pensava: não quero ir. e mais tarde: porque temos de largar os nossos mortos, ou onde é que os podemos recuperar só mais uma vez?