26 fevereiro 2006

Amar de olhos fechados.

Desculpa-me não ser capaz de abrir os olhos.
É que os sonhos acabam sempre na altura em que os olhos se abrem...

E eu nem quero fazer com que este sonho acabe. Por ser a primeira a abri-los.

04 fevereiro 2006

Promessas.


Não me lembro do momento em que calcei os sapatos. Não me lembro de ter posto o cachecol ao pescoço. Não me lembro, sequer, do momento em que saí de casa.
E a noite estava gelada... Devia recordar-me do som da porta de casa a bater, atrás de mim. Ou do tilintar das chaves, presas pelo polegar e pelo indicador da minha mão. Mas não me recordo.
Dei por mim sentada no mesmo banco. Da mesma estação. Como se acabasse de acordar dum qualquer sono amnésico.
Dei por mim gelada. No banco da estação. Onde sempre acreditei na chegada de um comboio. E nem me lembrava se ali tinha chegado pelos meus próprios pés. Mas era o mais provável... As sapatilhas viam-se molhadas e com ar cansado.
Os meus pés sempre foram muito mais emotivos que tudo o resto. 'Devemos fazer o que a Vontade nos manda', e eles assentiam.
Tinha as mãos nos bolsos do casaco. Geladas. E nem houve vontade de as tentar aquecer. 'Canta... Com as mãos à frente da boca. Mas canta muito.'
Dei por mim sem saber cantar. Sem conhecer letras que se transformam em palavras quentes.
Dei por mim sozinha. Sentada no banco onde já tantas mãos se tinham cruzado. Até as nossas, lembras-te? É... Há muito tempo mesmo.
'Prometes-me que esperas por mim?', e eu ainda esperava. Que outra razão me arrastaria para uma estação de comboios, durante uma noite gelada de Inverno, senão a convicção da tua volta...?
Mudavam os dias, mudavam as roupas, mudavam os jeitos do cabelo. E então? Eu nunca mudava a minha vontade e crença no teu regresso.
Como uma morada, aquela estação. Um coração preso a um comboio, que não chega. Uma mão agarrada a um Adeus, que se deu preso a uma promessa.
Sabes, na verdade era só mais uma noite fria. Só mais uma caminhada até ao encontro dum sorriso desaparecido. Era só mais um sono desmemoriado, sobre a forma duma voz melódica. Que me cantava ao ouvido.
E o relógio da estação. A marcar o Tempo perdido. As ausências e as faltas.
Naquela noite, era só eu. Com os pés molhados e cansados. Com um cachecol que depressa se confundia com os cabelos. Com os bolsos de um casaco, onde se guardavam umas mãos incapazes de sentir. Com um olhar fechado, colado ao chão.
Morria sempre um bocadinho mais, por cada vez que esperava a saída do último passageiro. Na esperança da demora da tua saída do comboio só se dever à tua vontade de provocar um aumento de ansiedade, em mim. E a ansiedade aumentava. E nunca eras tu o último passageiro a abandonar o trem.
Naquela noite, o som... De mais um comboio. A chegar. E eu a sentir-me incapaz de levantar os olhos do chão. E os meus pés a sentirem-me incapazes de avançar até aos braços de mais um desengano.
Num momento, foi como se todo o frio se esgotasse...
Passos leves a aproximarem-se. Uma mochila caída no chão. O meu olhar a erguer-se. Duas mãos esticadas, a chamarem pelas minhas. As minhas mãos a deslocarem-se, tímidas, ao encontro dessas outras.
Uma voz familiar:
- Prometo-te que nunca mais as deixo gelar.