18 fevereiro 2008

Os sonhos dão trabalho.

A minha casa tem os tectos altos, como as mais antigas de Lisboa. Tenho de me pôr em bicos dos pés, no degrau mais alto do escadote, para mudar as lâmpadas dos candeeiros, e fico sempre com medo de cair. O chão é feito de madeira, então eu posso andar sempre descalça sem me preocupar se vou começar a espirrar. O soalho abafa o som dos saltos altos das amigas que me visitam e a tralha que me cai sempre da mala, quando tento encontrar as chaves, que estão sempre bem lá no fundo.
A minha casa tem janelas grandes e duas varandas floridas: uma na sala, a outra no quarto. Tem luz o dia todo, foi por isso que gostei tanto dela desde o início. A sala é grande e é a minha zona preferida da casa. Tenho um sofá comprido o suficiente para me conseguir esticar, com uma manta colorida por cima. Quando me deito nele, fico virada para a janela e consigo ver o céu e as pontas das árvores.
Há cores por todos os lados. Há paredes pintadas de laranja, rosa e bordeaux, onde pendurei umas quantas telas pintadas pela minha tia. Há molduras com fotografias, por todo o lado, de todos os que me são queridos e dos meus sorrisos mais iluminados.
Caixas, caixinhas, espelhos, velas, candeeiros e almofadas. É uma confusão de cores e texturas que me faz feliz.
Muitos dos móveis foram restaurados e estão cheios de histórias são os meus preferidos. Volta e meia, a tia Rosa bate-me à porta, sem aviso prévio, e entra cheia de sacos:
Ritinha, a tia trouxe umas coisas novas cá para casa!
Quando dou por conta, já ela está a mudar as mobílias mais pequenas de lugar, as almofadas do chão que estavam ao pé da lareira já estão ao pé da janela, os castiçais da entrada já estão na cozinha... Pára por um minuto, fica a observar o ambiente para ver se as alterações ficaram bem, torce o nariz, sorri-me e diz 'vá, anda ajudar a tia!'. Mete as botas a um canto e, cheias de vontade, pomo-nos as duas a redecorar a casa.
Às vezes, acordo com uma vontade violenta de ter uma parede lilás ou magenta. Saio da cama, abro as cortinas, ligo a aparelhagem, coloco um CD que goste muito e passo a manhã com o rolo e a trincha na mão.
Na minha casa, há muitos livros nas prateleiras e revistas de decoração e viagens espalhadas pelo chão. Também há umas quantas pilhas de álbuns que amigos me oferecem, porque sabem que gosto de música mas sou desleixada em andar a par das novidades.
Além do quarto onde durmo, tenho um outro com uma escrivaninha encostada à parede, com a janela mesmo por cima; é a minha mesa de escrever. É onde mora a minha máquina de escrever, que comprei em segunda mão quando ganhei o meu primeiro ordenado. Quando me sento em frente a ela, fico a olhar pela janela, para a vida que corre lá fora, e os dedos acabam sempre por me cair nas letras.
A minha casa cheira a quente. Cheira ao doce aroma das flores silvestres que se colhem e deixam secar, entre as páginas dum livro pesado. Ao perfume que se mistura entre os cabelos, quando se deixa o incenso a queimar. Cheira a fragrâncias do Oriente e ao exotismo dos roteiros mais inacessíveis. É um verdadeiro abrigo, do corrupio do mundo. A minha casa sabe, verdadeiramente... a lar.
Ajeito as flores que estão na jarra de barro que comprei numa feira, há anos atrás, e olho para a moldura que está ao lado. A fotografia é da minha adolescência. Nunca fui capaz de me desligar dela, nem do momento que ela eterniza.
Vou à cozinha fazer chá e volto para a sala com a caneca nas mãos. Abro a porta da varanda e, quando saio, os meus pés estranham a tijoleira gelada. Mesmo assim, venho para fora e sento-me na cadeira de baloiço, de onde fico a ver o dia morrer. Toda a minha juventude sonhei com este momento.
Tenho quase trinta anos e um sonho, com mais de dez anos, concretizado. Só por isto, há mais que motivos para as estrelas (me) brilharem, não acham?









8 comentários:

Sr. Jeremias disse...

Há dias em que me arrepio quando te leio...

Ana disse...

fechei os olhos, depois de te ler, e consegui imaginar-me dentro dessa confusão de cores e texturas que tão bem descreves.
que sonho bonito, Rita.
também quero um assim.

beijinhos *

Anónimo disse...

Boa parte do teu sonho já tens. Pouco falta. *

C. disse...

(querida Rita estou sem dinheiro no coiso e em exames. ando menos triste. espero-te bem e espero que vás ver Cure, porque gostava de te encontrar lá.)

os sonhos dão trabalho, mas enchem muito mais as casas que decidimos habitar.*

Joana A. disse...

Admiro a tua sensibilidade.
Dá-me vontade querer mais...
*

Anónimo disse...

dão trabalho, sim, lá isso é verdade. mas acho q valem sempre a pena. o teu, parece me mesmo q sim! eu dia, qero dormir no sofá da tua casa*

Maria disse...

Cheguei aqui por acaso, mas irei voltar de certeza.. Arrepiaste-me mesmo..

Vou continuar a ler.
bjnho.

NS disse...

Olá Rita. :)

**