30 dezembro 2006

This is fact, not fiction.

Passado um ano, continuo no mesmo sítio.

('Esquece esse sítio. Os sítios são só um chão que pisamos.')

Continuo presa ao mesmo homem, 'apenas' com umas ligeiras alterações sentimentais... Típico (em mim).

A minha gata continua a vir enroscar-se no meu colo, e eu continuo a deixá-la sempre ficar. Apesar de continuar tão alérgica a gatos...

Continuo a ouvir o mesmo médico dizer-me que tenho de pôr uma estúpida bomba, todas as noites, para conseguir respirar. E continuo, tantas vezes, a ignorá-la e a acordar de madrugada... aflita.
(Não tem importância. O coração, pelo que sei, é forte. E eu não gosto de dependências. Aguentar três noites inteiras, sem pózinhos por dentro, já é bom. Mas chegaremos às sete. [não se faz isto a uma mãe...])

Continuo a viver na relva. Entre uma papoila e um cogumelo.
E a sonhar com uma máquina de escrever e um caneca de chá quente, numa varanda florida de Évora.




(Mas sabes que mais? Aprendi uma coisa:
Quando choras, com uma garrafa na mão, sente-te feliz. Era bem pior se estivesses com as mãos vazias.)




/me on Camera Obscura (é, dão-me prendas bonitinhas)

27 dezembro 2006

« O meu lado esquerdo... (...) É o lado com que eu choro e com que eu sinto. »


Depois de uma noite de facadas no peito, que te deixa a tremer e a soluçar, sem te deixar pregar olho, recebes um abraço com cheiro a malmequeres e papoilas. Há uma lágrima que escorrega e te desliza pela cara, mas tu depressa a limpas e dizes 'Estou bem...'.
Mas, nessa altura, tu já sabes: não se engana uma Mãe.

Vestes o casaco mais quente que tens no armário. Não é teu, mas sabe melhor vesti-lo sabendo disso.
É dele. Deu-to num dia gelado, porque estavas a morrer de frio (sim, ele tem razão: andas sempre mal vestida). Trouxeste-o para casa e ficou teu, mas fazes tensões de lho devolver no final do Inverno. Fica-te enorme. Tapa-te as mãos e quase que te chega aos joelhos, mas tu ama-lo por isso mesmo.
Metes o capucho na cabeça, enfias as mãos nos bolsos, e sais.

Para ti, nunca um dia esteve tão gelado. Nem nunca uma noite foi tão longa.
As lágrimas são demasiadas para dois olhos só, e caem umas a seguir às outras. Nunca, nunca sentiste tanto: o medo, o frio, a raiva e a morte.
Procuras os phones nos bolsos de trás das calças, mas não os tens contigo. Tens pena. E cantas sozinha, sem música.

‘A Rita é poética.‘, disse uma noite o Gil.
E a única coisa que te dá interesse, quando conheces alguém, é tentar descobrir a sua poeticidade. Há aqueles em que se vê logo, assim que dizem as primeiras palavras, que não vivem da poesia. Nem tão pouco de Letras ou sentidos. Há outros que tentam, mas é só para impressionar. E há aqueles (tão, tão poucos), perdidos em cantos remotos, que transpiram poeticidade. Até hoje, só conheceste meia dúzia de seres assim. E nunca desejaste tanto ter um deles ao teu lado, como nesta tarde.

Os filhos amam os pais. Os pais amam os filhos. É assim que deve ser.
Mas, de repente, já nem nisso pensas. Tens uma dor demasiado profunda no peito para conseguires raciocinar.
Mistura-se tudo.
Choras pelo amor que desapareceu, de quem te fez existir. Choras pelos sorrisos dos príncipes, que já não são capazes de calar os risos das fadas más. Choras por já não seres capaz de lhes pintar um céu roxo e cor-de-rosa, no tecto do quarto, para eles poderem sorrir cada vez que abrem os olhos.

Amas tanto, pobrezinha.
Sentes tanto... O mundo inteiro, dentro do teu pequenino coração.
E amaste sempre mais as fadas e os duendes que não tocaste, do que todos os Homens que se cruzaram contigo nessas ruas e te fascinaram.

Quando finalmente chegas até ele, percebes que não foi uma surpresa agradável. Está admirado por te ver, e nem sabes se é de trazeres o seu casaco vestido. Pedes-lhe, a desmoronar por dentro, que fuja contigo. Basta apanhar um comboio, para se ser feliz. Só precisas dele para partir.
Percebes logo que te vai dizer que não. Ouves umas desculpas no ar, mas não são mais do que isso: desculpas. Por fim, ouves o definitivo não como mais uma faca espetada contra o peito.
Viras costas e desapareces, com as lágrimas a dançarem-te nos olhos.
Sabes que o Amor te devia salvar e ajudar a escapar da morte, e sentes uma raiva profunda de ele, em vez disso, te estar a cavar a sepultura. Queres bater-lhe e gritar-lhe que não precisas de um Amor egoísta, mas já não tens forças. Limitas-te a bater em retirada, com os olhos já mais verdes que castanhos.


(A Rita só precisava de ir até essa estação, onde um abraço quente a espera e lhe quer secar as lágrimas.
A Rita nunca precisou tanto sair daqui e ir até um sítio melhor, com Amor...
É só um comboio. E ninguém a deixa ir ser feliz.)




/me on Clã - Lado Esquerdo

25 dezembro 2006

(vem, meu amor. mas não tragas o Janeiro contigo, por favor.)

dezassete anos.

que não são dezoito.



(entendem, oh senhores?!
oh! psht! e não se fala mais em Números.)

12 dezembro 2006

' Pai, às vezes. '

Foste aquele que eu mais amei, em tempos.
Fui aquela que tu mais amaste... em tempos.
Revoltaste-te contra toda a família, toda a vida. Amavas, e continuas a amar, cada um deles; mas nunca soubeste dá-lo a entender a ninguém. Eras (és) um revoltado. Cheio de traumas de infância que não te deixam ser bonzinho e descansado. O álcool e o cigarro foram só uma bengala que tu pensaste que te ajudaria a caminhar pela Vida. Transformaram-se na pior arma: contra ti mesmo, e contra todos os que viviam à tua volta. Felizmente, passados anos e anos e anos, conseguiste largá-las e começar a dar os primeiros passos sozinho, como um autêntico bebé. Sem vícios ou essências que ajudem a fazer decorrer a Vida, a suportá-la anestesiado.
Quando eu tentava desculpar os teus erros com a história da infância e da revolta haviam sempre vozes a dizerem-me que ignorar a Maldade que mora num coração não é a melhor táctica. Mas eu nunca soube acreditar em Pessoas Más... Achei sempre que o mundo era feito de gente boazinha que, de vez em quando, se portava mal. Mais nada. E deve ser por isto que, ainda hoje, me chamam de ingénua...
Ouço a voz da Mãe a contar tantas vezes a mesma história: vínhamos no avião, de regresso dos Açores, e eu disse-lhe 'Sabes Mãe, eu acho que agora já consigo gostar tanto de ti como do Pai...'. Tinha seis anos. E gostava mais de ti do que de qualquer outra pessoa, apesar de te ver seres mau, tantas vezes.
Fui sempre a mais quieta e calada. As educadoras perguntavam vezes sem conta, à Mãe, se estava tudo bem. Todos os meninos do colégio brincavam e corriam dum lado para o outro, e eu só queria ficar sozinha num canto da sala ou do recreio. Eu lembro-me tão bem...
A Mãe foi sempre a mãe e o pai da casa. E o Mano, anos mais tarde, transformou-se no pai, também. Tão crescido, tão bonito... Tão humano.
As pessoas que te conheciam bem diziam 'A filha é a única pessoa de quem ele realmente gosta...'. Eu não achava bonito, mas não deixava de me sentir feliz.
Fomo-nos perdendo, com o passar dos anos. Tu já não és o mesmo, e eu... muito menos. (Embora, muitas vezes, me continue a sentir a mesma menina desdentada que te pedia colo.)
Contrariei-te em muitas coisas, por as saber erradas. Parti sempre de coração apertado, cada vez que fechei a porta e te deixei sozinho e a chorar, ao mesmo tempo que me pedias para ficar. Defendi sempre a Mãe e o Mano o mais que pude. A Mãe defendeu-me sempre a mim e ao Mano o mais que conseguiu. O Mano continua a defender-nos sempre o mais que pode, e ainda mais um bocadinho. E eu já nem sou capaz de te defender a ti...
És tão nada... sabes? E tanto, ao mesmo tanto. Com tanto para contar, para ensinar. És inteligente e sabe-lo bem. Usas-te disso, tantas vezes... Eu já quis muito ouvir todas as tuas histórias e aventuras, mas cansei-me de esperar.
A única pessoa que realmente respeitavas – o teu Pai – já nos deixou e tens motivos para te orgulhar dele. Como eu não tenho teus.
Já não me recordo sequer da última vez que rimos juntos... Mas recordo-me da última vez que falámos. A última frase foi minha: 'A minha vontade é a de nunca mais olhar para a tua cara'. A minha voz tremia e quase que me falhava, e tu fazias um ar de indignação. Foi há sete meses atrás.
A minha vontade mantém-se a mesma, mas o coração já começa a querer ceder, de vez em quando. Nessas alturas, eu faço questão de me relembrar de tudo e digo 'não, desta vez não'.
A Mãe, às vezes, descai-se. Diz 'és tal e qual o teu Pai...' e, depois, repara no que disse e arrepende-se. Não faz por mal...
Mas é. Somos tão parecidos que dói. E o meu maior medo é, um dia, vir a ser tão má mãe como tu foste pai.
A Tia Rosa, quando me telefona, pergunta por ti e eu digo que deves estar bem... Ela acha que já passou muito tempo e que devia deixar-me de rancores. E não é a única com essa opinião. Mas acho que já não consigo lidar de outra forma com isto.
Pela primeira vez, faço de conta que me estou a borrifar para ti. Podes gritar, morder, rasgar, morrer... que me é indiferente. Faço de conta que estou bem, sem ti, e tu nem chegas a saber que não estou.
Ás vezes, acho que foste para a cova com o teu pai. Morreste com ele, e não choraste uma única lágrima. Eu queria abraçar-te e trazer-te de volta, mas já não sou capaz. Na verdade, acho que nunca fui. Tu é que, antigamente, te davas ao luxo de representar um bocadinho melhor...

A tua tristeza anda-te estampada no rosto. Mas não penses que a minha não existe... Eu é que teimo em escondê-la de ti, para pensares que já nada vindo de ti me atinge.

É que eu queria amar-te tanto, Pai...
Mas eu acho que já não consigo.






Entrei em casa pela porta das traseiras e tu estavas na cozinha. Quando desviei a cortina tinha-te à minha frente e soltaste um 'Bom dia!?', que me apanhou completamente desprevenida. Olhei-te indignada e virei-te as costas, sem dizer uma única palavra.
Enquanto subia as escadas e entrava no quarto, senti o coração a comprimir-se dentro do peito. São os piores momentos... Teres de negar alguém que amas. Sobrepor a razão à emoção. Senti-me a mais Má das Pessoas à face da Terra e fui meter-me debaixo do chuveiro, onde as lágrimas se misturaram com a água bem quente que não parou mais de correr.

02 dezembro 2006

Noite, noite, noite.

Noite, noite, noite.

Balanceio-me pelas estradas de terra até ao parque mais amado. Como sempre, lá está o meu baloiço vazio. A chamar-me os pés e as mãos. As pernas mexem-se e, sem dar conta, lá estou eu sentada. A tentar tocar com as pontas dos pés o grande manto negro, que está colado ao tecto. Hoje, há milhares de pontinhos brancos que brilham mais cada vez que o balanço me empurra para o céu.
Canso-me tanto. Dói-me tanto.
Desisto... Esta noite não vou conseguir tocar o céu.
Caio exausta para a frente e a minha cara enche-se de areia. Levanto-me e sacudo-me. Meto os phones nos ouvidos e danço a ouvir a Margarida. A Nônô (pequenina, pequenina) sorri muito, num lugar secreto de mim, e mexe-se feliz. Tal como eu, sente na Margarida uma magia infantil que lhe nasce na voz. Cantarolamos juntas até a linda Nônô fechar os olhos cansados e adormecer.
Sorrio muito, feliz, a vê-la descansar. Devagarinho, vou diminuindo o volume da canção, até se deixar de ouvir.
' Boa noite, meu amor. '
Caminho muito, sozinha... Noite, noite, noite.
Relembro o rosto de todos os que me fizeram feliz. Penso nas fadas que guardo dentro das minhas bolinhas de sabão, adormecidas. Nas meninas sorridentes e nos meninos mágicos que guardo no peito.
Tiro uma caneta e uma folha branca do bolso, e rasgo-a aos pedacinhos. Em cada um deles escrevo uma mensagem não-endereçada. Cada pedacinho tem um cheiro único. Cada pedacinho branco ganha cor.
Das palmas das minhas mãos voam todos os pedacinhos, às voltas numa ventania que sabe a magia. E a esperança que resta é a que cada um deles vá ter ao endereço que não foi escrito...
A cada dez passos, paro para descansar. E olho à minha volta. Tudo é solidão, tudo é noite. O morango mágico, dentro do bolso do meu casaco, dorme. E o arco-íris que trago trancado na cabeça e no peito está apagado.
Esfrego os olhos e salto à corda. A cada dez saltos, paro. Os meus olhos embaciaram. O brilho dos meus olhos e do meu sorriso está colado lá em cima, no grande manto negro. Roubaram-no de mim, enquanto comia uma cereja.
Apagaram o meu brilho, no meio desta noite gelada. Toco às campainhas, mas nenhuma porta se abre.
Caiem-me lágrimas quentes pela cara e lembro-me duma voz que dizia 'Que bochechas gordinhas!'. Quando me sento no passeio é porque já não aguento mais. Os meus pés morrem, exaustos e perdidos.
Deito-me no chão e fecho os olhos. Relva cresce à minha volta e as pedras geladas do passeio tornam-se macias.
Devagarinho, a pequenina Leonor passa a mão pelos meus cabelos e brinca com um canudo perfeito. Não chega a acordar, mas volta a adormecer. Dormimos juntas num passeio alcatifado de relva fresca e ouvimos a voz da Margarida nos nossos sonhos.
Noite, noite, noite.

9 Novembro 2006




(Na manhã seguinte, haveríamos de acordar com um pequenino espirro Dela: atchim!)




/me on Margarida Pinto

10 novembro 2006

Foi amor.


A primeira vez que te vi, imaginei-me a abraçar-te. Ri-me durante muito tempo com esse pensamento e pensei o quão seria bom (e difícil) ter um abraço teu. Sonhei tantas vezes contigo... Não tantas como com os outros, de olhos fechados e adormecidos. Mas de olhos abertos. E nunca soube controlar isso.
Vivemos muito, é verdade.
Há muito tempo, ficámos uma tarde inteira sentados num banco de jardim, com um livro de Biologia ao nosso lado. Lembras-te? Passou tão depressa... No fim, já era noite. Noite gelada. Éramos os únicos no parque, porque estava demasiado frio para se ficar na rua àquelas horas. E nós continuávamos sentados no mesmo banco de jardim, apesar das mãos geladas. Punhas o teu braço à minha volta, até a tua mão chegar ao meu ombro, e comíamos pipocas. Como se fossem três da tarde.
Eu tinha as unhas tão vermelhas... O coração também, mas custava-me admiti-lo.
Não entendeste que a parte mais triste foi aquela em que me levaste até ao autocarro que me ia levar a casa. Estava tão escuro e tanto frio. Dissemos adeus e eu vi-te ires embora, de dentro do autocarro vazio. O livro de Biologia voltou comigo. E eu só sei que, apesar da falta de concentração e de estudo, tive 18 nesse teste.
A partir daí, fomos sempre mais felizes.
Embriagámo-nos umas quantas vezes. Nessas alturas, tu tomavas sempre conta de mim. Riamo-nos de mãos dadas, enquanto fazíamos os caminhos a pé até casa.
Vivemos um Verão inteiro juntos e não soubemos passar um sem o outro. Eu contava-te coisas da minha vida que nunca tinha contado a ninguém. Tu fazias sempre muitos planos para o futuro, ao mesmo tempo que me pedias um beijo.
Nos típicos dias de Avante, acampámos juntos e tivemos os vizinhos mais insuportáveis de sempre. Eu tinha sempre vontade de fazer chichi. E fome. Tu gostavas de ir procurar cd’s, na Festa do Disco, e eu ficava cansada. Só queria ver todos os meus Amigos. Mas cheguei a ver muito poucos. Ou quase nenhuns.
À noite, metias-me o teu gorro na cabeça e dizias que nunca me tinhas visto tão linda. Eu vestia as tuas camisolas e casacos, que quase me chegavam aos joelhos e tapavam as mãos. Na última noite, deitámo-nos na relva a ver o fogo de artifício. E falámos tanto... Mas, tu sabes, eu já não estava muito sóbria.
Deste-me um barrete comprido, sem sininhos na ponta... E eu, por momentos, esqueci os meus amores platónicos.
Amámo-nos o mais que soubemos. E fomos felizes como nunca antes tínhamos sido.
Nesses dias, olhei para ti como nunca tinha olhado antes. Tinha a certeza que não queria sair dali, porque nunca te tinha amado tanto. E porque sabia que as coisas iam acabar por mudar. Mudam sempre. Por isso, é que desejamos sempre morrer quando chegamos ao pico da felicidade. Como nós desejámos, nessas noites de Verão.
Depois disso, pintaste na minha mochila The Cure e um coração, com letras grandes e cor-de-rosa.
Meu amor, ainda faço a pé os mesmos percursos que fazíamos de mãos dadas e embriagados, naquelas noites quentes. Mas agora, sozinha. E com A Cura às costas.

13 agosto 2006

Cegueira.

a hipocrisia anda escondida atrás dos olhos dos Homens.
uma capa negra de veludo que a esconde, mas não a deixa adormecer.
ri.
morde.
atiça.
tapo os ouvidos para não a ouvir e agito a cabeça para a afastar de vez. é o mal. taparem os olhos, para verem bolas de sabão inquebráveis, quando cá fora elas rebentam ao mínimo toque. a olhos vivos.
é o mundo real.
miúdas a cortarem os pulsos. que choram e tomam só mais um gole. ninguém as vê, porque não querem. na verdade todos as vêem. mas preferem ignorar. as Pessoas são demasiado impessoais.
há bolas de sabão que flutuam à nossa passagem. frágeis. compete-nos zelar por elas. como se zela pela própria vida.
às vezes, vem alguém. que grita e mói e rebenta duas ou três, duma vez só. só ouvem os estalos. quando dão por conta já as lágrimas caem e a vida lhes foge.
sacanas, os que roubam vidas e vontades.
quando dão por elas, já são elas mesmas a destruírem as bolas de sabão que pairam no ar. sem saberem, fazem rebentar sempre mais uma a cada comprimido que engolem. não querem. mas os sacanas já as mataram.
são Homens vestidos de bem, que matam em segredo.
mas ninguém lhes tira a capa.
ligam as televisões e ficam a invejar os sorrisos. as Pessoas. a verem os anúncios sobre o brilho da vida e a deixarem-se consumir pelo materialismo.
quando ouvem um estrondo já é tarde.
a rapariga já está estendida no chão.
e a última bola de sabão já rebentou.




(À Natacha.
Que espero que já esteja num sítio bem mais bonito que este.)

13 junho 2006

Saudades.

As fadas existem. Têm cigarros nas mãos, em vez de varinhas, e usam meias às bolinhas.




(Porque eu só quero passar a noite sentada num passeio, a ouvir o Sr Molko, e a recordar as pessoas bonitas que ele me trouxe...

Que apodreçamos nos passeios. Até algum Sol voltar.)



/me on Placebo - Twenty Years

09 junho 2006

Confession.


(Nunca ninguém foi capaz de Te tirar do meu céu.)

27 abril 2006

Minha fada...

Encontrei o olhar da minha fada amarela preso a uma menina já crescida, no autocarro que ia em direcção à cidade.
Tinha-lhe o olhar, o ar perdido e cansado, e o sorriso (que só mostrou uma única vez, em toda a viagem).
Quis pedir-lhe para sair comigo daquele autocarro, na próxima paragem, sem fazer perguntas. E fazer-me companhia, pelo meio das árvores, em silêncio.
Mas ela só me mandou foder em pensamento, por não parar de olhar para ela.


(Minha fada, roubaram-te o olhar e o sorriso? Ou eras mesmo tu...?
Se eras, perdoa-me a indecência da minha teimosia em não parar de te olhar.
Se não eras... que se fodam eles, os estereótipos. Que nem as fadas [e as mentes esquizofrénicas, como a minha] respeitam.)

25 abril 2006

Dia não.


Há dias em que não se sente o palpitar mais acelerado do coração, com aquela lembrança mais feliz. Há dias em que o cansaço chega logo pela manhã, colado às pálpebras ainda meio adormecidas.
Amar demais. Há dias em que se ama demais. E há outros dias em que não se sente amor algum. Não se deixa de amar. Apenas se deixa de sentir o amor.
Nesses dias, só existem passeios. Passeios, sem bolas de sabão.
Nesses dias, só fazem sentido as noites escuras da cidade. As ruas desertas e geladas. Um beijo com um abraço. E uma lágrima, que nunca ninguém chegou a ver.

Nem todos os dias se ama da mesma forma.

09 março 2006

Juventude...

Disseram-me que eram risos. Risos autênticos, mesmo que descentralizados. Perdidos em ruas estreitas demais para nos deixarem rodopiar sobre nós mesmos.
E músicas. Sempre uma nova melodia a cada passo dado na direcção do penhasco. Ou da nuvem mãe.
Um abraço com música de fundo. Um beijo acompanhado pelo som frenético da orquestra. Uma vida com banda sonora. Onde o repeat ou o stop da aparelhagem nem existem... Só o play.
Disseram-me que era noite. Uma eterna noite gelada. Feita de mãos frias com cigarros presos entre os dedos. E fumos confundidos entre a humidade e as lágrimas quentes que escorrem pela cara redonda.
Lágrimas em passeios sempre me pareceram a melhor forma de recuperação. Os passeios são mágicos. (Mas só à noite, quando a cidade já dorme e as ruas estreitas alargam à nossa passagem.) Fazem-nos olhar para a ponta dos pés e pensar ‘Bolas. De que vale correr e andar, se venho sempre ter ao mesmo sítio?’
E nem entender que andar em círculos pela cidade nem sempre é mau. Ao menos, voltamos sempre a casa. Que pode ser só um passeio ou uma estação. Normalmente, nunca é um tecto sólido.
Perdemo-nos de propósito. E sabemos sempre voltar de olhos fechados.
Disseram-me que eram corações cheios. De bom ou de mau. Mas sempre cheios. E eu pensei que corações cheios, de alguma coisa, haveriam de ser melhores que os corações vazios... (E são.)
Mesmo quando partem presos a um comboio. E os nossos pés ficam colados ao chão, enquanto a mão não pára de acenar. Triste e fraca. Como se voz tivesse: adeus...
E passar noites em estações de comboios. Fechar os olhos, deitada num banco, e adormecer. Abri-los, e ser noite. Já ou Ainda. Porque são tempos convertidos numa eterna noite gelada. Em que só os risos fazem brilhar. E em que só os olhos brilhantes sabem aquecer.
Acordar com uma garrafa de álcool ao alcance das mãos e não a largar mais. Porque sim. Mais tarde, vamos olhá-la de novo e vamos querer abri-la. Vamos abri-la e vamos querer prová-la. Vamos prová-la e vamos rir e chorar para as nuvens.
Deitar a mão ao bolso do casaco e descobrir um morango. Que brilha e fala. E canta e sorri. Um morango fora de época numa mão e uma garrafa, já só por metade, na outra.
Disseram-me que eram corpos cansados estendidos na relva fresca. E olhares colados a céus estrelados. Onde a felicidade sentida durante dois segundos, por presenciar a passagem duma estrela cadente, se converte num logo período de sorrisos.
Disseram-me que Juventude era isto. E eu acreditei.
Agora, por favor... não me colem Números às estrelas.



(Um dia, a eterna noite gelada chega ao fim. E o céu perde os brilhantes. Os pequeninos brilhantes que quase se tocavam e descolavam lá de cima, com as pontas dos dedos.
Um dia, a noite perde-se. E o céu, em vez de ficar limpo, só acinzenta.
Nesse dia, entendemos que a Juventude não é mais do que uma ressaca psicológica. E que, essa sim, provoca efeitos secundários.)






/me on Jeff Buckley - Dancing in the Moonlight
fotografia tirada daqui.

26 fevereiro 2006

Amar de olhos fechados.

Desculpa-me não ser capaz de abrir os olhos.
É que os sonhos acabam sempre na altura em que os olhos se abrem...

E eu nem quero fazer com que este sonho acabe. Por ser a primeira a abri-los.

04 fevereiro 2006

Promessas.


Não me lembro do momento em que calcei os sapatos. Não me lembro de ter posto o cachecol ao pescoço. Não me lembro, sequer, do momento em que saí de casa.
E a noite estava gelada... Devia recordar-me do som da porta de casa a bater, atrás de mim. Ou do tilintar das chaves, presas pelo polegar e pelo indicador da minha mão. Mas não me recordo.
Dei por mim sentada no mesmo banco. Da mesma estação. Como se acabasse de acordar dum qualquer sono amnésico.
Dei por mim gelada. No banco da estação. Onde sempre acreditei na chegada de um comboio. E nem me lembrava se ali tinha chegado pelos meus próprios pés. Mas era o mais provável... As sapatilhas viam-se molhadas e com ar cansado.
Os meus pés sempre foram muito mais emotivos que tudo o resto. 'Devemos fazer o que a Vontade nos manda', e eles assentiam.
Tinha as mãos nos bolsos do casaco. Geladas. E nem houve vontade de as tentar aquecer. 'Canta... Com as mãos à frente da boca. Mas canta muito.'
Dei por mim sem saber cantar. Sem conhecer letras que se transformam em palavras quentes.
Dei por mim sozinha. Sentada no banco onde já tantas mãos se tinham cruzado. Até as nossas, lembras-te? É... Há muito tempo mesmo.
'Prometes-me que esperas por mim?', e eu ainda esperava. Que outra razão me arrastaria para uma estação de comboios, durante uma noite gelada de Inverno, senão a convicção da tua volta...?
Mudavam os dias, mudavam as roupas, mudavam os jeitos do cabelo. E então? Eu nunca mudava a minha vontade e crença no teu regresso.
Como uma morada, aquela estação. Um coração preso a um comboio, que não chega. Uma mão agarrada a um Adeus, que se deu preso a uma promessa.
Sabes, na verdade era só mais uma noite fria. Só mais uma caminhada até ao encontro dum sorriso desaparecido. Era só mais um sono desmemoriado, sobre a forma duma voz melódica. Que me cantava ao ouvido.
E o relógio da estação. A marcar o Tempo perdido. As ausências e as faltas.
Naquela noite, era só eu. Com os pés molhados e cansados. Com um cachecol que depressa se confundia com os cabelos. Com os bolsos de um casaco, onde se guardavam umas mãos incapazes de sentir. Com um olhar fechado, colado ao chão.
Morria sempre um bocadinho mais, por cada vez que esperava a saída do último passageiro. Na esperança da demora da tua saída do comboio só se dever à tua vontade de provocar um aumento de ansiedade, em mim. E a ansiedade aumentava. E nunca eras tu o último passageiro a abandonar o trem.
Naquela noite, o som... De mais um comboio. A chegar. E eu a sentir-me incapaz de levantar os olhos do chão. E os meus pés a sentirem-me incapazes de avançar até aos braços de mais um desengano.
Num momento, foi como se todo o frio se esgotasse...
Passos leves a aproximarem-se. Uma mochila caída no chão. O meu olhar a erguer-se. Duas mãos esticadas, a chamarem pelas minhas. As minhas mãos a deslocarem-se, tímidas, ao encontro dessas outras.
Uma voz familiar:
- Prometo-te que nunca mais as deixo gelar.

12 janeiro 2006

O meu coração é um arco-íris.


O meu coração é um arco-íris. E tu estás sentado na risca verde, a assobiar e a baloiçar as pernas...


(turbilhões de cores, o meu coração.)