01 dezembro 2005

' As pessoas que gostam de palavras nunca incomodam... '

Tenho Letras espalhadas em cima da mesa. E não sou capaz de formar palavras com elas.
Dou por mim sentada, em frente à mesa, com as mãos postas no A mais próximo. Há um R ali, ao canto da mesa, mas eu nem o consigo alcançar... (Mas eu nem me consigo alcançar...)
Tenho os olhos postos num amontoar de Letras. Sem ligação ou alinhamento ou ordem, entre elas.
Nenhuma brilha. Nem mesmo o N, de Natal. Ou o L, de Luz.
Letras baças, espalhadas em cima da mesa. E a minha mão a tocar num A qualquer.

As (minhas) Letras nunca tinham pousado antes, na mesa ou no chão. Colavam-se ao tecto, ou às paredes, e ficavam a piscar muito. Até me obrigarem a ir buscar buscá-las, e juntá-las. Às vezes, voavam. E eu tinha de saltar, até as conseguir agarrar. (‘A felicidade não nos cai nas mãos. Apanhamo-la nós.’)
Agora, tenho Letras espalhadas em cima da mesa. E eu nem sou capaz de as ordenar...

‘Porque não deitas essas letras fora, Rita?’
Como se fosse possível deitar-me fora, como se fosse possível deitar-Nos fora...
‘Essas letras fazem doer?’
Não. Faz doer (já) não as saber juntar. Faz doer não entender. Faz doer não saber se se tem de chorar tudo duma vez. Ou se se tem de sorrir tudo o que há para sorrir.
Pontos de interrogação também fazem doer. E finais. Pontos.

Tenho Letras e Pontos, espalhados na mesa. Há um R rodeado de pontos de interrogação, escuros escuros escuros. E há um ponto final vizinho dum A, branco branco branco (frio frio frio...).
Tenho as mãos geladas, coladas ao A mais próximo. Não, não é fixação ou paixão. É só o efeito das unhas pintadas de vermelho. (Porque dizer que, além das unhas, o coração também está pintado de vermelho, é dizer que já nada faz sentido...)

Vermelho foi sempre só mais uma forma de Vida. De gritos e risos estridentes. (‘Estúpidas maneiras de tentar chamar a Vida, quando ela já se escapou, não é...?’)
Que seja.
A importância foi-se embora, juntamente com o brilho das Letras.
As mãos gelaram e já nem o vermelho aquece.
Já nem o guarda-chuva canta.
Já nem a chuva dança...

Vou deixar os pontos e as dúvidas. Os pedaços dum M, amachucado e rasgado.
Vou atravessar a noite e bater à porta que se fechou com um gato preto no colo e um sorriso de despedida.

- Posso entrar...?
- Claro... As pessoas que gostam de palavras nunca incomodam...



/me on Tori Amos - Winter

11 comentários:

Mónica disse...

ainda bem! assim posso falar/escrever à vontade que n incomodo! :-)

Anónimo disse...

Eu tenho letras debaixo da cama, e nem sequer, sei quais são, ou , pelo menos, não me quero lembrar.


Desculpa, os meus pontos de interrogação, Rita. É este querer entrar nas outras pessoas que me faz isto, que me põe assim. Que te põe, sem saberes.

Vamos deixar estes pontos de interrogação fugir, vamos tirá-los de cima da mesa. E eu voo com eles, quando me escreves umas asas.

*

Anónimo disse...

*Escreveres.

Anónimo disse...

um dia vou entrar por essa porta (sendo assim, acho k nao preciso de bater) e vou pintar cada Letra tua. com muitas cores. quentes. para deixares de ter as maos frias. e juntas vamos fzr palavras novas.
pode ser, pukanina?

gosto te. nem imaginas cmo*

(as vezes dou por mim a escrever o nome dele com as letras da sopa. e a seguir, como as. as letras. o nome dele.)

Anónimo disse...

Vida já não é uma palavra. é um nome.







aquecia-te as mãos se as minhas não estvessem estupidamente geladas.







tirava-te os pontos de interrogação, finais e [até!] as reticências todas...se não soubesse que te ia doer ainda mais.








e transformava-me em gato se pudesse para poder ronronar ao teu lado. ou naquela 'coisa' amarela. porque o amarelo é forte. e eu só vesti uma vez uma camisola amarela. nem era minha. e tiraram-me uma fotografia em que parece que estou a chorar.
mas acho que com asas não se chora.



abrem-se janelas. não é?









[estás cada vez mais bonita. não te apercebes, pois não? Deus...e ainda dizes que te faltam as palavras*]













hey...


















psiiiuuuuuu...





















gosto de ti*



C.

moon between golden stars disse...

Entra...
és sempre benvinda...
há pessoas assim... a quem deixamos a nossa porta sempre aberta!
Um abraço

Anónimo disse...

Olá...

Gosto de palavras. Violentamente. Palavra estranha, para dizer que se gosta, mas alguém de quem gosto muito deu-ma numa frase que me fez sorrir. Desde então uso-a, porque sim.
Mas o que eu te quero dizer... é que fiquei suspensa no tempo com o teu modo de escrever.
Fizeste-me sentir ainda mais pequeNINA... e gostei. Tal como gosto de me sentir assim, quando acabo de ler um texto de um aluno ou aluna... que entendeu o grito de quando 'lhes' peço: 'Surpreendam-me'...

Sabes... gosto de palavras e de reticências. Onde cabem todas as palavras 'inter-ditas'... aquelas que engolimos, porque... por tantos motivos.

E gostei de ti.
Inveja da tua prof de Português!
Os meus alunos têm um email meu para comunicarem comigo, assim como o msn... é que mais do que gostar de palavras, gosto de gostar de pessoas que gostam de palavras...

carinho

Nina

Miguel disse...

eu gosto das tuas palavras :) *

Celi M. disse...

O A pode ser por si uma palavra. E é do A que nascem palavras como amargo, arrependimento, amor...

Mesmo que as palavras escasseiem não deixes de escrever,escreve com letras e as palavras vêm depois. Acho que o fizeste maravilhosamente bem, gostei muito.

paulo disse...

Bem, agora só te faltam os números. Xi.

maria disse...

Grande verdade, Rita!
As pessoas que gostam de palavras... :)

e de dizer das saudades que nos assaltam a alma, às vezes! e do tempo que nos rouba o tempo bom de dizer, de juntar a letra certa à outra que apetece escrever...

um xi grandão, mesmo mesmo grandão que, mesmo que neste "a correr", fique demoradinho, forte e cheio de vontade de voltar e ler melhor... de te ler melhor, menina que gosta de palavras!
:)