29 agosto 2005

Exactamente nada.

Um céu às cores. Numa cidade cinzenta.
Um furo no corpo. Uma marca na pele.
Um caderno de folhas, (ainda) tão brancas... Como uma cama acabada de fazer, entre as gargalhadas duns lençóis demasiado pequenos.
Um príncipe, entre riscos. Que se começam a esquecer.
Uma noite, de estrelas. Uma noite, de insónias.
Uma voz desafinada. Duma música, de pequeninos.
Um grito, do meio das árvores. Calado por uma gargalhada estridente.
Um grito, do meio das paredes. Calado por uma lágrima gelada.
Bolas.
Um sorriso. Como uma explosão de estrelas. Cadentes e brilhantes. Quando os desejos (já) não existem.
Um sonho. E um medo.
Um corpo sem cor. Uma alma riscada.
Um coração de branco. De bom. Ou de mau.
Uma pegada esquecida. Na letra mais bonita.
Na areia. Do mar.
Uma melodia qualquer. Que já nem se sente.
O tempo. E o Tempo.
Um olhar guloso. Entre meia dúzia de palavras universais.
Um copo. E outro. E só mais um. Álcool. E mais álcool.
Que ter 16 anos é não ter nada.


/me on Enigma - Gravity of Love [e a culpa é tua*]

11 agosto 2005

Saudade.

Eu devia matar esta coisinha que resolveu esconder-se dentro de mim, e que me dá dentadas no coração. Às vezes, são pequeninas... Assim só para eu sentir a ponta dos dentes afiados dela em mim. Mas, outras vezes, são grandes e dolorosas. E ela faz tanta força que eu sinto quase que o coração a romper-se, e a dor quase que me faz chorar...
Ela deixa-me esfomeada. [Neste e no outro sentido da palavra... Porque ensinaram-me que há sempre um outro sentido, também nas palavras.]
E fome, assim desta, não é coisa boa. Já ouvi falar de pessoas que morreram assim... esfomeadas.
A coisinha que se escondeu dentro de mim, se calhar, também está esfomeada. Daí as dentadas. Mas o meu coração [já] não é comestível...
É que as pontas dos meus dedos, e a minha pele, e os meus cabelos, e o meu coração... estão esfomeados. E eu tenho fome. Daquela que não passa com a tigela amarela de leite fresco e Chocapic, de todas as noites. É fome da ponta de outros dedos, e de outra pele, e de outros cabelos, e de outro coração... Se calhar, de um que também sofra de dentadas duma coisinha com dentes afiados.
Eu devia matá-la. Devia arrancar-lhe os dentes, um por um, e rir-me da sua triste figura. Ela haveria de se sentir envergonhada. E, se calhar, até arrependida. Mas eu não posso fazê-lo, não seria capaz... Se a matasse ficaria sozinha. Duma maneira ou de outra, assim, ainda estou acompanhada.
E ela faz-me mal. Às vezes, magoa-me muito. Mas, aos bocadinhos começamos a socializar-nos, uma com a outra...
Numa destas noite, enquanto eu tentava adormecer, e ela roçava os dentes afiados no meu coração, agarrei-me à minha almofada com muita força. Fiquei com medo que ela me fosse dar uma dentada daquelas que doem muito... Mas, aí, ela parou. E começou a falar baixinho, cá de dentro, comigo... Era a primeira vez que a ouvia.
Com uma voz rouca e melancólica, respondeu 'Saudade', quando lhe perguntei como se chamava...


/me on Enya - May it Be

02 agosto 2005

' Reage ao toque como se fosse algo de mim. Viola-me o coração vezes e vezes sem fim. '

Queres que eu te conte como era(mos), nos meus sonhos?
( 'Conta-me', responderias tu com a voz mais calma de todas, se aqui estivesses agora. E eu não chegaria a perceber se estavas, realmente, com vontade de me ouvir [a falar, sempre, demais] ou se já estavas aborrecido. De mim. Mas ia preferir acreditar na primeira opção.)

Eu gostava de ti. E tu gostavas de mim. E isso chegava(-nos).
« Se gosto de ti, se gostas de mim... Se isto não chega tens o mundo ao contrário. »

Eu cantarolava uma música qualquer, em cada noite que nos deitávamos na relva. E tu ficavas a prestar atenção à minha voz, mas fingias que não... E ficavas a olhar, sempre, para o céu. Demasiado escuro. Demasiado brilhante... E eu ficava sempre a pensar que estavas perdido em pensamentos só teus, e que nem eras capaz de ouvir a música que (te) cantava. Afinal, era só mais uma...
Eu tocava na tua mão. E tu não te movias. E tu... não reagias.
Tu nunca reagias. Ao meu toque. E, por vezes, nem sequer às minhas palavras. E eu nem me importava, sabes...
Não esperava mais de ti. O que tinha, chegava(-me).
Tu gostavas de mim. E nem o dizias. Mas, nos meus sonhos, eu sabia-o. E tu sabias que eu gostava de ti. Porque te dizia sempre, quando acaba de cantarolar aquelas palavrinhas e passava a existir o silêncio.
'Gosto de ti, sabes...', e tu sorrias. Sem tirar os olhos do céu.

E eram todas as noites. Nossas. Com musiquinhas cheias de falhas, pela minha voz. Com céus escuros e brilhantes. Com relva. Comigo. E contigo.

Eu era feliz e, acredita, sabia-o. Queria acreditar que também o eras. Porque nunca deixavas de aparecer, quando começava a escurecer.
Por te ter, todas as noites. Sorria como ninguém. E, quando te via chegar, sentia borboletas dentro do estômago... sabes? E tu abraçavas-me. O teu abraço... que era, para mim, o pico máximo da felicidade.

E numa dessas noites (que eu pensava ser só mais uma), em que te vi aparecer, não vinhas sozinho. E, naquele instante, todas as palavras musicadas que existiam na minha cabeça (ou na minha boca) se diluíram em ti. E na flor que trazias contigo.
Aproximavas-te cada vez mais a cada passo e, quando finalmente paraste à minha frente, pareceste-me muito mais perto do que alguma outra vez.
Sorriste-me, sabes... Como nunca. Deste-me um beijo na testa e abraçaste-me.

E... pára.
Nos meus sonhos, a partir desse abraço, já mais nada existia. Porque penso que também não queria que durasse mais, essa realidade fingida.
E, agora, a partir daquele abraço, só fica a esperança que sejas tu capaz de fazer o final feliz.



/me on Filarmónica Gil - Um Homem como Eu