Olho o Rossio inteiro, com um arrepio a correr-me dentro das costas da camisola. É Verão, mas hoje o dia resolveu nascer menos brilhante.
O meu coração veio a flutuar desde lá de baixo, quando me deixei ancorar nesta margem do rio. Atravessou o Cais, deu uma volta pelo Chiado, para, finalmente, aterrar aqui.
Fico meia paralisada e o frenesim habitual, como que em solidariedade, até me parece acalmar. Consome-me já uma saudade melancólica da imagem que existe à minha volta, como a falta que se sente de alguém que se sabe que se vai perder, mesmo ainda não o tendo, de facto, perdido e ainda o tendo nos braços.
Acordo deste sentimentalismo solitário com a mão dela a apertar a minha. Já quase a esquecia ao meu lado, não fosse um calor protector e invisível - aos olhos - ter-me sempre aconchegado, desde o início da caminhada.
Olho para o lado e vejo-a com o cabelo cor-de-cenoura e os olhos muito verdes e brilhantes dos quinze anos, quando fugiu do remoto vale da infância para experimentar as ruelas de Alfama. É, de repente, a menina risonha desses tempos, com mais mil sardas que eu a saltarem-lhe no rosto. Ri como se nada de demasiado grave houvesse no mundo e nunca, ainda, lhe tivessem feito mal, nem receasse poderem vir a calar-lhe esse riso.
Eu fico emocionada a olhá-la e não consigo evitar rir-me também. E somos, então, duas miúdas a pairar no meio da praça, que riem alheias aos olhares e aos cochichos.
Quando a abraço, as minhas lágrimas são um amor gigante a cair-me dos olhos. E é assim que deixamos acalmar o riso, para descansarmos no ombro uma da outra.
Não sei quanto tempo passou, nem se foi sonho ou realidade, mas quando desfazemos esse abraço, eu olho-a e só vejo um rosto enrugado. Mas, ao concentrar-me melhor, constato que a miúda de quinze anos continua a morar-lhe no fundo dos olhos.
Na outra ponta da península, sorri-nos o último prolongamento deste amor e eu sei que, aqui, a distância nunca será nada para o que une as almas.
Olho o Rossio inteiro, agora com um sorriso mais descontraído, porque, lembro-me, a minha casa não é chão. E recomeço a caminhar, não sei bem para que direcção, levando uma das minhas duas moradas ao meu lado, segurando a minha mão, e a outra no regaço, bem junto ao coração.
O meu coração veio a flutuar desde lá de baixo, quando me deixei ancorar nesta margem do rio. Atravessou o Cais, deu uma volta pelo Chiado, para, finalmente, aterrar aqui.
Fico meia paralisada e o frenesim habitual, como que em solidariedade, até me parece acalmar. Consome-me já uma saudade melancólica da imagem que existe à minha volta, como a falta que se sente de alguém que se sabe que se vai perder, mesmo ainda não o tendo, de facto, perdido e ainda o tendo nos braços.
Acordo deste sentimentalismo solitário com a mão dela a apertar a minha. Já quase a esquecia ao meu lado, não fosse um calor protector e invisível - aos olhos - ter-me sempre aconchegado, desde o início da caminhada.
Olho para o lado e vejo-a com o cabelo cor-de-cenoura e os olhos muito verdes e brilhantes dos quinze anos, quando fugiu do remoto vale da infância para experimentar as ruelas de Alfama. É, de repente, a menina risonha desses tempos, com mais mil sardas que eu a saltarem-lhe no rosto. Ri como se nada de demasiado grave houvesse no mundo e nunca, ainda, lhe tivessem feito mal, nem receasse poderem vir a calar-lhe esse riso.
Eu fico emocionada a olhá-la e não consigo evitar rir-me também. E somos, então, duas miúdas a pairar no meio da praça, que riem alheias aos olhares e aos cochichos.
Quando a abraço, as minhas lágrimas são um amor gigante a cair-me dos olhos. E é assim que deixamos acalmar o riso, para descansarmos no ombro uma da outra.
Não sei quanto tempo passou, nem se foi sonho ou realidade, mas quando desfazemos esse abraço, eu olho-a e só vejo um rosto enrugado. Mas, ao concentrar-me melhor, constato que a miúda de quinze anos continua a morar-lhe no fundo dos olhos.
Na outra ponta da península, sorri-nos o último prolongamento deste amor e eu sei que, aqui, a distância nunca será nada para o que une as almas.
Olho o Rossio inteiro, agora com um sorriso mais descontraído, porque, lembro-me, a minha casa não é chão. E recomeço a caminhar, não sei bem para que direcção, levando uma das minhas duas moradas ao meu lado, segurando a minha mão, e a outra no regaço, bem junto ao coração.
11 comentários:
dos mais bonitos que li por cá rita.. não sei, sou suspeito.. mas quem lê a imagem da 'minha/tua/d'alguém' Lisboa, aliada à simples conjugação de letras "a minha casa não é chão." ainda mais suspeito fica..
ser suspeito é estar vivo.
e estar vivo é ter Lisboa.
dia 21.
14h. brasileira. chiado. cidade mais que bonita.
até lá..
:)
*
espero para o ano encontrar a razão de ter sonhado demasiados anos com essa cidade.
porque o amor continua cá só que...
(ocorre-me que nunca passeamos por Lisboa. e que o deviamos fazer, um dia.)
és fantastica. *.*
Das sem duvida o melhor uso a cada palvras.
Obrigado por me fazeres sentir :' )
As casas não são chão... São alicerces e ar.
Um olhar intimista,um Rossio que é só teu,um quase não-lugar.Vejo-o entre as 8h30 da manhã e a 1h30 da noite,passando pelas 18h da tarde.E parece um clip do National Geographic passado em fast-forward,com milhares de formigas urbanas que vêm e vão.
Um olhar apaixonado,como o dela,a rapariga do cabelo côr-de-cenoura e de mil sardas mais que tu tem sobre a vida.Eu não te conheço,mas arriscava que tens saudades dela em ti,não?*
Obrigada! :D
muito bonito :)
acho que começo a entir essa saudade melancólica também. *
sem me querer meter no comentário da annie, mas sendo hoje a minha cabeça um impecilho para a originalidade de um comentário mais ou menos agradável: ocorre-me o mesmo também.
Ritinha, nem de propósito, ontem pensei em ti, em vir deixar cá o link e perguntar se vais ao avante (eu ainda não sei, mas vou tentar ir pelo menos no ultimo dia).
espero que estejas bem *
[e não foi mau termo-nos encontrado nas palavras... pois não?]
Quase me dá vontade de gostar de Lisboa.
Quase.
(Mas gosto de ti)
E as cidades às vezes ficam desertas, mais ou menos negras, mas mesmo assim cidades...
Mas as estações ainda têm vida;)
Ena, 19 anos e a escrever tãaaao bem!
Parabéns :)
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