20 julho 2008

« Todos os dias te espero. Todos os dias me faltas. »

Dou-me hoje conta da velocidade dos tempos e da escuridão do meu peito - faz hoje muito tempo que não o olhava de frente.
Agora, ao destapá-lo, revejo-te em primeiro plano. Estás igual ao dia em que te abracei pela última vez, porque as despedidas são sempre permanentemente jovens em nós. Tomam, eternamente, a forma de rostos que se recusam a envelhecer.
Lembro, agora, o teu cheiro e o teu sabor, depois de tanto tempo de recusa. Acreditei seres o único homem com perfume debaixo da pele. Dei por mim a parar, várias vezes, no meio da calçada, de olhos fechados, a cheirar o ar, porque me parecia sentir esse teu cheiro a vir no vento.
Já o meu coração cheira a mofo e está desbotado. Só hoje o vejo. Falou-me um homem de voz segura, mas doce. Estava na colher de chá que bateu na chávena e no próprio chá que não bebi; foi só uma forma de se mostrar, porque no fundo ele vive em todos os cantos. As palavras dele fizeram-me tremer e desfazer em lágrimas. Há quanto tempo me tinha eu deixado congelar, nesta impossibilidade de te ter?
A apatia, branca e gélida, acalmou-me, tempo demais, a dor de já não te sentir na outra ponta da cama. Mas até ela desapareceu, mal o homem abriu a boca.
Despiu-me, assim, ele. Arrancou-me a capa da falsa dureza que me cobria e falou-me do que não deixei morrer. Quando ele se calou e eu olhei para dentro, vi o mesmo rosto intacto, agora descoberto, da tua juventude.
Viveste em mim, todos os dias em que o neguei. E esta recente noção dói tanto como o teu cheiro a surgir no meio da cidade, sem o teu corpo por perto.
Estou a rever, às claras, as imagens do nosso breve romance. Foi o homem que as trouxe para os meus olhos, quando eu já as pensava abandonadas. Não cessam um segundo, como se depois de tanto tempo a ignorá-las, me quisessem dizer que não se consegue nunca matar o que temos plantado no mais profundo de nós.
Não adianta tentares fugir para longe do que sempre esteve dentro de ti.
E, agora, ao pronunciar novamente o teu nome em voz alta, ao deixar-me desabar na sinceridade do escuro que a tua ausência me traz... morro mais um pouco, porque só assim sinto para viver de verdade.
As lágrimas são só um caminho inevitável nesta saudade em que me encontro, de novo, a remexer e que me levam a perceber que o orgulho é nada para o meu desejo de te reencontrar.
Naquela tarde de Verão, ao chegares, escancaraste as portas do meu desejo, abriste janelas e telhados...
Há quanto tempo vivo eu no meio de correntes de ar e sopros de coração?







Entre o céu da tua boca e a luz do céu de Lisboa,
Entre uma palavra tua e um poema de Pessoa,
Entre a cor do teu sorriso e todo o brilho do mundo...
Escolheria o que é teu,
Não hesitava um segundo.

15 julho 2008

:

Não é que te espere, mas ainda te imagino a chegares.







01 julho 2008

« como a queda dum sorriso p'lo canto triste da boca, neste vazio impreciso só a loucura me toca. »

há uma força vertiginosa e incolor que me empurra para os poetas. se eu a tento ignorar, ela faz-me tropeçar em poemas até os olhar de frente.
pergunto-me se todos os que se deixam cair nas letras, acabam por tombar também sobre a solidão, como se fosse ela poética e feliz. a única resposta que encontro vem de longe, com o vento que traz o cheiro de outras margens. segreda-me ele ao ouvido: vem, menina, está na hora... e eu sinto um arrepio na pele, e obrigo-me a ficar mais um tempo, porque sei que a virtude reside também em saber esperar pela hora certa, quando o desejo já quase tomou conta de tudo.
é esta espera a companhia que agora me resta, e que sinto como se me rasgasse por dentro.
e no fundo dos meus sonhos estão letras, milhares de novelos de letras, e os teus olhos. (são os mesmos de outros tempos; fitam o mundo todo, só não olham nesta direcção.)
nunca a solidão foi tão vazia.
o meu cabelo encaracola mais a cada dia que passa, e as sardas que trago no nariz multiplicam-se e saltam-me para perto dos olhos - consequências habituais dos dias de sol. por dentro, sinto-me a envelhecer. um pesado cansaço, em discrepância com a aparência jovial.
tenho medo dos rostos familiares, como se pudessem plantar em mim saudades de outras viagens. mas, se reparar bem, a maior parte já mal reconheço, de tão desfigurados que estão.

passa-me a minha mochila, eu tenho de ir. passa-ma, este sítio já não tem mais nada para mim. não chores, por favor. eu vou à procura de algo que me encha o peito, para poder encher as folhas em branco que levo. tenta compreender...

mas é desnecessário pedir compreensão a quem pressente a profunda dor da ausência.
no meio de tudo isto, acordo e a confusão das minhas palavras é a mesma dos meus pensamentos. os teus olhos estão colados ao muro do meu passado.
há vozes de poetas a ecoarem no salão vazio do meu desamor por ti, e há uma força vertiginosa e baça que me empurra para o alcance da tua vista. queria eu saber-me incapaz de ceder a um caminho que contenha os teus passos...
pelos vossos poemas, por favor, não deixem que ele me olhe de frente.

os teus olhos continuam incrivelmente belos e eu,
sem saber, continuo permanentemente a cegar.