Já ninguém acredita no amor à distância - dá muito trabalho. As pessoas não querem perder tempo; se fosse possível, optariam por comprar uma embalagem de abraços ou um frasco de beijos, como quem pondera indeciso entre um iogurte natural e um iogurte magro, nessa secção frigorífico do supermercado.
Já ninguém opta pelo sacrifício. Ninguém quer passar pela dor de sentir o coração apertado durante semanas, na ausência dessa outra metade que existe longe. As pessoas não querem perder tempo em viagens longas, só para encontrar um abraço a três, cinco ou dez horas de distância. Só um abraço. Seria, de certo, o melhor que já sentiram na vida, mas ninguém quer ter de percorrer tanto por gestos.
As pessoas dão voltas ao mundo, percorrem estradas, oceanos e céus, mas já não é pelo amor - os gestos foram esquecidos. São os números que as movem, porque são eles que lhes proporcionam as coisas tocáveis, e já ninguém é capaz de acreditar que uma vida segura tem como bases o que é invisível aos olhos e ao tacto.
Um dia, disseram-me "queres fugir? digo-te já que se fores para longe, podes esquecê-lo. amores à distância não resultam." Foi assim directo e gélido como vos digo agora. Se na altura ponderei naquelas palavras como na coisa mais importante do mundo e decidi adiar a minha fuga, agora vos digo: nunca me foi dito nada tão ridículo. Pura preguiça e comodismo. Se tivesse fugido, tenho a certeza que ele ia saber esperar-me, mesmo que as saudades apertassem. Ia ouvir-me sussurrar em todas as músicas que passassem na rádio e ia esperar, todos os dias, ansioso por uma carta minha no correio. Ia amar-me pela minha caligrafia nessas cartas e pela minha voz ao telefone, cada vez que ligasse a horas inesperadas.
Acredito eu assim, porque o mundo já avançou. Já ninguém sabe o que é tentar escrever o amor em cartas, porque os olhos estão longe e não podem falar por si só. Já ninguém sabe o que é apanhar comboios até um pedaço de felicidade que nos espera de braços abertos.
O amor existe, é real. E não olha a distâncias ou gerações.
O que caiu sobre o meu colo - porque o amor acaba sempre por cair sobre nós sem estarmos à espera - era frágil, misterioso, viciante e trágico. Exigia-me uma viagem de quase três horas de comboio, o que, tendo em conta a correria do mundo, nem me parecia muito. Podia tê-lo mantido entre as minhas mãos uma vida inteira; mal mo foi entregue, senti que podia ser para sempre. Ainda lhe sei de cor o sabor e o cheiro, mas evito recordar pelo medo da saudade. Neste exacto momento não fecho os olhos, para não ter de senti-lo num canto recôndito de mim - nunca aprendi a deitar fora os restos dos meus amores perdidos. Com os olhos inchados mas as mãos decididas, tive de o largar e desfazer-me dessa tragédia perfumada que me fazia festas no cabelo, me pegava pela mão e me olhava enternecido. É que até ele achou que os quilómetros eram demais para um desejo tão forte. Ai... como o mundo é controverso.
Ninguém se quer dar ao luxo de perder tempo, as pessoas querem ter tudo à mão de semear. Desde o copo com água até ao amante que usam a seu gosto para matar essa sede. Pois olhem, eu sempre achei que o Jorge é que tinha razão: "o tempo nunca existiu, o tempo é nossa invenção. se abandonarmos as horas, não nos sentimos sós. meu amor, o tempo somos nós."
E este monólogo poderia desenrolar-se ainda mais a partir daqui, para além desse amor cinematográfico que liga as pessoas e que eu defendo até à exaustão; que inspira escritores e poetas, mas não preenche os corações. É que os tempos mudaram e o mundo está assim... vazio de história.
Já ninguém é capaz de acreditar. E não é só com o amor à distância que isto acontece.
Já ninguém acredita em estrelas, porque já ninguém, sequer, perde tempo a levantar os olhos para o céu.