27 março 2008

' Sabes o que subsiste no momento em que já nada subsiste? '

Queria poder encontrar-te num banco de jardim deserto e seres um velhinho. Pegar-te-ia pela mão e trazer-te-ia para casa. Lavava-te, cortava-te as unhas, penteava-te o cabelo, fazia-te a barba e tu ficavas sempre muito quietinho, a olhar-me cheio de ternura. Ficavas sentado no sofá da sala, com uma manta sobre os joelhos, e eu ficava à tua beira, a aquecer-te as mãos - grandes e secas, isso o tempo não tinha sido capaz de mudar. Tu mandavas um beijo para o ar que vinha bater na minha bochecha direita e me provocava um sorriso igual ao de quando eu ainda era uma menina.
Não falavas, porque nunca foste bom com as palavras, nem nunca soubeste lidar com o amor. Eu, já conhecendo isso, engolia o teu silêncio em seco e punha música a tocar, enquanto ia para a cozinha fazer mais um dos meus chás.
Quando voltava, de canecas nas mãos, tu estavas de pé à minha espera. Esticavas o braço na minha direcção, a tua palma da mão a chamar-me. Eu pousava as canecas e oferecia-te a minha mão a repousar na tua. Dançávamos como quando eu era tão pequenina que mal te chegava ao umbigo e encostava a minha cabeça à tua barriga, enquanto os nossos pés rodopiavam. Fomos sempre um grande par de dançarinos, ia-me lembrar disso nesse momento.
Havias de te cansar cedo do bailado, porque o vigor de outros tempos já te tinha abandonado o corpo. E morrias sem nunca ter pronunciado a palavra
Perdoa-me, mas eu ignorava esse facto, porque já te tinha perdoado no momento em que o tinha lido nos teus olhos.



Tenho as tuas mãos, os teus olhos e os teus tons. Podes imaginar o peso que isto tem sobre mim e que não tenho como abandonar...
E também tenho saudades tuas,
mas já não conheço o caminho até ti...
nem sei por que jardins te perdes.





fotografia tirada daqui.

12 março 2008

« Não me abandones nesta margem, eu sou parte da viagem. »

Os meus olhos estavam tão embaciados que a paisagem passava a fugir pela janela e eu nem a conseguia fixar. Não tive a noção do tempo a passar, porque entre o momento em que me sentei naquele lugar e o momento em que me levantei, não estive completamente consciente. Fui, a viagem toda, virada para a janela com os raios quentes a baterem-me na cara. As lágrimas não paravam de nascer; foram, o tempo todo, a balançarem-me nos olhos.
Quando estás só e a dor é tão funda que nem consegues pôr travão ao choro, só te resta a música. Foi assim que abri a minha mochila das viagens, que ia acomodada no banco ao meu lado (por mais voltas ao mundo que dê, aquele The Cure que traz estampada nunca desaparece), e tirei de lá o meu aconchego. Meti os phones nos ouvidos e foi quando comecei a sentir as primeiras festas na cabeça e o primeiro beijo na testa. Continuei a sentir a falta dum abraço amigo, algo tocável, mas, apesar disso, senti-me um bocadinho mais reconfortada.
Não soube amaldiçoar a minha falta de ponderação, a minha falta de visão para com o mais óbvio, a minha vontade avassaladora que me faz apanhar comboios para longe... Só soube sentir uma tristeza violenta nas mãos, nos joelhos, no peito, na cabeça, nos lábios, nos olhos.
Durante as horas que durou aquela viagem de regresso, a minha vida estagnou e pôs-se a boiar num plano acima de mim mesma. Eu não reagia a nada, nem aos sons ou imagens à minha volta. Caguei, literalmente, em tudo o que pode ter acontecido em meu redor. Acho que nunca antes tinha vivido uma sensação semelhante.
O meu olhar foi fixo num ponto qualquer do vidro que, apesar do Sol, eu vi sempre molhado.
Sabes como é... Sempre que te atiras de cabeça, arriscas-te a magoares-te. Eu sou das que acredita que, regra geral, vale a pena o risco. E quando mexe com o que te preenche o céu, nem tens tempo de pensar nos riscos; quando dás conta, já te atiraste. De qualquer das formas, é tudo demasiado fugaz para deixares de fazer o que o coração te pede e os seguros vitalícios aborrecem-me. Por isso, não pensei muito quando surgiu a primeira oportunidade de te voltar a abraçar.
Estatelei-me no chão, parti-me toda, e tu ainda foste lá pisar-me um bocadinho com a ponta do sapato. Que rico abraço, han.
Quando cheguei à minha estação, muito devagarinho, a vida veio voltando a mim. Limpei os olhos, respirei fundo, meti a mochila às costas e, quando meti os pés no chão, indiferente a tudo, comecei a fazer o caminho para casa. Naquele momento, tive o peso todo dum sonho de adolescente inocente acabado sobre mim.
Já não haveriam mais lágrimas nem mais bilhetes de comboio para esse destino, soube-o ali.











(...)
– Give me one good reason.
– 'Cause I'm different.
– Really? Okay, what color are my eyes?
– Well, at first glance, your eyes are brown. But when the light hits them, they change to amber. And if you look really closely around the iris, the color is pure honey... But when you look into the Sun, they almost look green. That's my favorite.
How did I do?
– I would've settled for brown.


Maldito sejas, que vias sempre verde nos meus olhos.