25 fevereiro 2008

« when we were teenagers, we wanted to be the sky. »

lembras-te quando eu era pouco maior que o muro do quintal e vestia um maillot cor-de-rosa? não ia às aulas de inglês, no colégio, para ir às de ballet. a professora pedia-nos que usássemos maillots pretos, mas eu sempre gostei mais do cor-de-rosa. as collans e as sapatilhas com um elástico de enrolar à volta do tornozelo... era na altura em que dançava muito e era feliz assim; não me cansava e o ar nunca me faltava. ficava sempre à frente porque sabia todas as coreografias e, assim, as meninas que não sabiam tão bem podiam ir olhando e imitar.
olhava para as sapatilhas de pontas da professora e pensava se algum dia poderia usá-las. sei agora que não.
todas as miúdas, em determinada altura da vida, sonham ser bailarinas, não é? ou, pelo menos, saber dançar sem pisar o parceiro, não vá o príncipe aparecer-nos sem estarmos à espera e puxar-nos para dançar. pelo menos, costumava ser assim com as princesas da Disney.
mais tarde, passei a comer romãs deitada na tijoleira da sala. cortava a franja rente, com a tesoura de cortar papel, porque estava farta de ser uma menininha pequenininha; pff, só as meninas pequeninas poderiam usar franja. quando a minha mãe saía de casa, ia buscar a minha roupa preferida à máquina de lavar e vestia-a mesmo suja; ou aquela, ou nenhuma.
já sem franja, parece-me, fiz uma amiga. uma amiga das que valem muito. uma amiga, no verdadeiro significado da palavra. não sei como aconteceu, porque nem éramos da mesma sala... ela era um riso só. um riso, era ela. acho que era feliz, porque parecia-me que não sabia o que era, por exemplo, acordar mal-disposta. tinha sempre um sorriso nos lábios, e era contagioso. dizia parvoíces que me faziam rir até a barriga doer ou me caírem lágrimas dos olhos. éramos miúdas e inseparáveis. havia uma ligação mágica entre nós, que nunca voltei a sentir com mais ninguém. brincávamos ao nada, que era rir das coisas mínimas. acredito que foram as minhas melhores gargalhadas, de sempre. ela fazia-me cócegas, ouvia-me quando estava triste e fazíamos teatros das histórias dos livros de BD que líamos. ela era meia louca, e duvido que alguma vez tenha passado pela fase se sonhar ser bailarina... a minha amiga tinha oito anos e dizia que queria ser professora de educação física, quando fosse grande. eu dizia que queria ser pintora.
tão triste como um último dia de Verão, foi o dia em que nos separámos... mas não havia nada a fazer, chega sempre a hora de mudar de escola. dissemos juntas adeus ao sítio que nos tinha juntado - Arte Mágica, curioso... - e trocámos números de telefone e moradas. mal sabíamos escrever sem dar erros ortográficos, mas passámos todos os anos seguintes, até entrarmos na adolescência, a escrever uma à outra.
às vezes, ainda nos encontramos. está igualzinha à amiga que fiz com oito anos. o ar de bem com o mundo é o mesmo, e o olhar também. é quase grande e, passados mais de dez anos, está a estudar para ser professora de educação física.
eu é que já não vou ser pintora. o mundo trocou-me os planos e os riscos da tela. ouvi sempre primeiro o mundo, em vez de me ouvir a mim. tomei todas as opiniões e conselhos como importantes, e esqueci a minha vontade - é um erro terrível.
os anos passam e há coisas que não mudam. continuo a ouvir-me quase em último plano e a deliciar-me com os meus velhinhos filmes da Disney, como quando ainda nadava de braçadeiras. todas as personagens me recebem sempre como no primeiro dia, o que me deixa com uma leve nostalgia. a pequena sereia continua com uma farta cabeleira ruiva e não envelheceu nem um dia; o simba continua simpático, leal e justo: o rei que todos desejam; a pocahontas ainda anda descalça pela floresta e a avó willow está velhinha há anos, mas ainda se aguenta bem;
o pinóquio esqueceu de vez o que é mentir; e a branca de neve continua a viver feliz com o seu príncipe, e ainda diz que é para sempre. vejo que nada mudou, com nenhum deles, e suspiro aliviada.
cá fora, já estão todos envelhecidos. metade já se foi e a outra metade continua a lembrar a Ritinha com o mesmo sorriso no olhar de quando eu ainda mal sabia falar. o mundo está velho e eu ainda não cresci. ainda não aprendi a política, as acções, os investimentos, as contas por pagar, os seguros, as rugas e as guerras. ainda não aprendi a virar a cara e a não acreditar que três quartos dos sonhos de infância morrem à deriva. ainda estou na idade dos excessos, das viagens a cada mês, dos vinte cêntimos no bolso, do ritmo no corpo,
da paz e do amor, da roupa amarrotada e dum quero-lá-saber atirado ao ar, do rabo no chão, do cabelo por pentear, do quarto por arrumar, da música alta no rádio do carro, das noites perdidas mas estreladas, do fumo e do desejo, dos improvisos, dos planos à última da hora, das tendas mal montadas e das estradas sem fim à vista.
ainda quero ser o céu... sem precisar de chão.
o mundo pede-me que guarde as memórias bem escondidas - e os sonhos, já agora - e que aprenda a ser grande. o peso das decisões e das responsabilidades.
eu só sei que, quando for grande, quero ter um maillot cor-de-rosa e uma amiga que me faça rir até mais não poder ser. o resto... ainda estou por descobrir.






18 fevereiro 2008

Os sonhos dão trabalho.

A minha casa tem os tectos altos, como as mais antigas de Lisboa. Tenho de me pôr em bicos dos pés, no degrau mais alto do escadote, para mudar as lâmpadas dos candeeiros, e fico sempre com medo de cair. O chão é feito de madeira, então eu posso andar sempre descalça sem me preocupar se vou começar a espirrar. O soalho abafa o som dos saltos altos das amigas que me visitam e a tralha que me cai sempre da mala, quando tento encontrar as chaves, que estão sempre bem lá no fundo.
A minha casa tem janelas grandes e duas varandas floridas: uma na sala, a outra no quarto. Tem luz o dia todo, foi por isso que gostei tanto dela desde o início. A sala é grande e é a minha zona preferida da casa. Tenho um sofá comprido o suficiente para me conseguir esticar, com uma manta colorida por cima. Quando me deito nele, fico virada para a janela e consigo ver o céu e as pontas das árvores.
Há cores por todos os lados. Há paredes pintadas de laranja, rosa e bordeaux, onde pendurei umas quantas telas pintadas pela minha tia. Há molduras com fotografias, por todo o lado, de todos os que me são queridos e dos meus sorrisos mais iluminados.
Caixas, caixinhas, espelhos, velas, candeeiros e almofadas. É uma confusão de cores e texturas que me faz feliz.
Muitos dos móveis foram restaurados e estão cheios de histórias são os meus preferidos. Volta e meia, a tia Rosa bate-me à porta, sem aviso prévio, e entra cheia de sacos:
Ritinha, a tia trouxe umas coisas novas cá para casa!
Quando dou por conta, já ela está a mudar as mobílias mais pequenas de lugar, as almofadas do chão que estavam ao pé da lareira já estão ao pé da janela, os castiçais da entrada já estão na cozinha... Pára por um minuto, fica a observar o ambiente para ver se as alterações ficaram bem, torce o nariz, sorri-me e diz 'vá, anda ajudar a tia!'. Mete as botas a um canto e, cheias de vontade, pomo-nos as duas a redecorar a casa.
Às vezes, acordo com uma vontade violenta de ter uma parede lilás ou magenta. Saio da cama, abro as cortinas, ligo a aparelhagem, coloco um CD que goste muito e passo a manhã com o rolo e a trincha na mão.
Na minha casa, há muitos livros nas prateleiras e revistas de decoração e viagens espalhadas pelo chão. Também há umas quantas pilhas de álbuns que amigos me oferecem, porque sabem que gosto de música mas sou desleixada em andar a par das novidades.
Além do quarto onde durmo, tenho um outro com uma escrivaninha encostada à parede, com a janela mesmo por cima; é a minha mesa de escrever. É onde mora a minha máquina de escrever, que comprei em segunda mão quando ganhei o meu primeiro ordenado. Quando me sento em frente a ela, fico a olhar pela janela, para a vida que corre lá fora, e os dedos acabam sempre por me cair nas letras.
A minha casa cheira a quente. Cheira ao doce aroma das flores silvestres que se colhem e deixam secar, entre as páginas dum livro pesado. Ao perfume que se mistura entre os cabelos, quando se deixa o incenso a queimar. Cheira a fragrâncias do Oriente e ao exotismo dos roteiros mais inacessíveis. É um verdadeiro abrigo, do corrupio do mundo. A minha casa sabe, verdadeiramente... a lar.
Ajeito as flores que estão na jarra de barro que comprei numa feira, há anos atrás, e olho para a moldura que está ao lado. A fotografia é da minha adolescência. Nunca fui capaz de me desligar dela, nem do momento que ela eterniza.
Vou à cozinha fazer chá e volto para a sala com a caneca nas mãos. Abro a porta da varanda e, quando saio, os meus pés estranham a tijoleira gelada. Mesmo assim, venho para fora e sento-me na cadeira de baloiço, de onde fico a ver o dia morrer. Toda a minha juventude sonhei com este momento.
Tenho quase trinta anos e um sonho, com mais de dez anos, concretizado. Só por isto, há mais que motivos para as estrelas (me) brilharem, não acham?









12 fevereiro 2008

A.,

és o melhor amigo que se pode ter. Eu sei que achas que tenho o meu coração ocupado por centenas de pessoas e que o espaço que tu ocupas nele é igual ao de outros tantos mínimo. Mesmo assim, eu quero que saibas isto: és o melhor amigo que se pode desejar.
A minha vida corre, tropeça, anda às cambalhotas e, volta e meia, estagna. Quando olho para a tua, vejo-a sempre igual: sempre a mesma caminhada, ao ritmo do costume. Nada de pressas, nada de exageros. Não sei se é bom ou se é mau, a mim parece-me... equilibrado.
Isto para me fazer ver que, durante todas estas minhas fases, nunca desapareces. Quando tinha os joelhos sujos de tanto rastejar ou o sorriso iluminado de tantas vezes chegar ao céu, bastava-me olhar para o lado, e estavas sempre por perto.

Pela primeira vez, resolveste esconder-te. Eu entendo essa dor, a de ter o coração todo embrulhado e com uns quantos nós (quem me dera não ser eu a responsável por tal agonia...). Resta-me compreender, esperar e aceitar as tuas decisões.

Se estivesses mais ao meu alcance, hoje íriamo-nos rir até as estrelas nos caírem nos olhos. Sonhámos tanto com este dia... Tu dizias que estavas farto de ter de conduzir sempre para todo o lado, enquanto eu me ria e metia os braços para fora da janela. Subíamos e descíamos montanhas, por estradas desertas, a cantarolar as nossas músicas. Às vezes, paravas o carro e saímos para ver a paisagem. Era sempre tão bom...
Hoje, apesar de não te ver, sei que estás . Queria ter o teu abraço e poder dizer-te, de sorriso rasgado, que na próxima viagem, já sou eu que levo o carro. Como não posso, vou escrevê-lo na tua parede, e esperar que apareças para ler. Pode ser presunção minha, mas acredito, o mais forte que sei, que vais acabar por aparecer.

Tu, logo tu... que cheiras tão a verde e a música. Eu nunca conheci ninguém tão música como tu; sentia que tu oferecias claves de sol às pedras, às árvores, aos candeeiros da rua, às nuvens e ao Sol. E, por outro lado, bastava dar-te uma caneta para a mão, que pintavas o mundo todo num simples guardanapo.
Confesso que tenho saudades que me pintes jardins nas mãos ou em folhas de papel. Que me apertes as bochechas, me despenteies e me gozes, por algum do meu estranho vocabulário. Saudades que digas 'tu és uma menina, Rita...', e de esticar o braço e poder alcançar-te.
Poderia enumerar centenas de coisas que me aborrecem em ti, mas seria desnecessário: os irmãos, apesar de todos os defeitos, continuam a amar-se como parte de nós que vagueia por aí.

Se eu pudesse escolher, entregava esse Amor que me deste a alguém melhor. Fazia-te forte, porque as circunstâncias me ensinaram que a força interior é tudo. Obrigava-te a abraçares o teu pai todos os dias, porque, como eu, não quero que um dia te esqueças do que isso é. Fazia com que entendesses que as mães sofrem mais que nós com as nossas lágrimas, e, então, sorrisses sempre para a tua para não a veres triste.
Porque gosto de ti, tão simples como isso, e te quero bem.


Gostava que ligasses aos meus conselhos, porque, mesmo custando, o de hoje seria:
deixa de ser tão resmungão e vai ser feliz.
Mesmo que, para isso, tenhas de fugir daqui...








(faz de conta que em vez de sexto, é sétimo. e é para ti. *)