21 janeiro 2008

« Se tu fores o meu final, eu serei o teu começo. »

Acordo de madrugada com a imagem do teu riso a boiar-me nos sonhos. Tens uma forma tão tua de rir, que me faz arrepiar por dentro, como se todas as luzes que tenho espalhadas pelo corpo se começassem a acender e a apagar muito depressa, e a fazer-me cócegas. É inútil tentar adormecer de novo; todo o meu corpo chama pelo som da tua voz e das tuas gargalhadas contidas. Respiro fundo, dou meia volta na cama, olho para a janela... ainda nem o dia começou a nascer.
No meio deste escuro todo, deste silêncio todo, tudo parece tomar uma dimensão gigantesca. Fecho os olhos e tento concentrar-me numa imagem bonita, que nada tenha a ver contigo, mas, quando dou conta, já tu me entraste no cenário por uma qualquer razão disparatada. Chateio-me, insulto-te em pensamento e pontapeio os lençóis até ficar quase destapada.
No meu mundo, não há ninguém tão bonito como tu. As lembranças que tenho de ti são das mais brilhantes que guardo. Mesmo assim, às vezes, só queria conseguir largá-las por uns momentos, para poder descansar deste corrupio que é ter-te sempre a pairar na ideia.
Estás na caneca de leite com café que eu bebo de manhã; no sorriso dos meus pequeninos quando gritam, ao ver-me: Tita!; nas músicas que vou cantarolando nos meus percursos a pé até alguma responsabilidade; no chá bem quente que bebo ao final da tarde, no café, quando já mal sinto as mãos; no papel e na caneta com que tento escrever alguma coisa; na água que me desliza pelas costas, durante o duche que tomo ao final do dia e na minha almofada, quando estou quase a adormecer. Estás no chão que piso e no ar que beijo.
Sinto-me exausta e deixo-me mergulhar nesta saudade que me dá trincas no peito; já não posso fazer mais. Sinto a falta de todos os teus gestos, de tudo o que és. Da luz que mostras quando conversas, olhas, desejas e sorris. Quem me dera saber desenhar melhor para poder ilustrar tudo o que vejo em ti, com aqueles pastéis que sujam os dedos...
Sinto a falta dos teus catorze olhares por minuto, quando há outros, bem mais perto, capazes de quarenta no mesmo tempo. Mas o que me importa isso? Os outros são demasiado
terra-a-terra e eu gosto é de ti, sonhador. Mesmo quando há uma menina que diz que são os terra-a-terra que se conseguem safar, neste mundo... Eu acredito que sem os sonhos, pouco somos.
Numa noite como esta, só queria poder telefonar-te e ouvir-te. Só queria viajar até essa cidade que te esconde atrás de fotografias e postais. Trocava todas as luzes de Lisboa por esse reencontro.
Opto, antes, por me esconder debaixo dos meus lençóis e estico o braço até à mesa-de-cabeceira. Meto os phones nos ouvidos e deixo-me consolar por meia dúzia de vozes que quase me acalmam a dor.
O dia há-de romper pelo quarto adentro e eu ainda hei-de estar estagnada na imagem do teu riso a avassalar-me o sono. Mesmo assim, não tiro a música do play, e tento adormecer com uma única certeza:

O meu abraço tem a forma do teu corpo.

19 janeiro 2008

' I need you so much closer... '

Os meus sonhos têm estado cobertos de crianças. E não só os que se têm de noite, no quentinho dos lençóis; também, e principalmente, os que se sonham acordada.
Nos meus sonhos, existe uma casa baixinha mas ampla, amarela, com telhado cor de tijolo. Está plantada no meio dum nada verde verde verde: o chão é relva fresquinha e a vizinhança é feita de árvores de todas as espécies. O céu é do azul que só muda para rosa ao final do dia, e há nuvens muito brancas a boiarem por cima das nossas cabeças.
No meio do jardim, há tantos pequeninos... Uns correm atrás das borboletas, outros observam, curiosos, um ninho de formigas, outros brincam aos mágicos e aos anões... E eu sinto o meu peito a encher, como se estivesse no verdadeiro país das fadinhas.
Canto com eles, leio-lhes histórias, pego os mais pequeninos ao colo, recebo beijinhos e dou abraços, escondo-me atrás das árvores mais gordas, na hora de jogar às escondidas, e dois meninos oferecem-me os desenhos mais bonitos que eu alguma vez vi.
Quando vejo um grupo de meninos e meninas, pouco maiores que um duende, numa rodinha, de mãos dadas, a girarem ora para um lado, ora para o outro, e a cantarem o mais felizes que sabem, sinto os meus passos a levarem-me até eles.
São lindos, e há uma menina de cabelos escuros, e um e outro caracol, que brilha mais que os outros. A música ainda nem chegou ao fim, mas ela sai da roda e vem, com o ar mais ternurento que eu alguma vez vi num rosto tão pequenino, na minha direcção. A cinco passos de distância, ela pára e abre-me os braços.
E quando as lágrimas já me espreitam nos olhos, o sorriso é o mais sincero de sempre e o coração já me disse tudo o que preciso saber, ouço uma vozinha vinda
não-sei-bem-de-onde que me segreda ao ouvido:

Sim... é a tua Nônô.




10 janeiro 2008

« I'm eighteen, and I don't know what I want. »



Com o vestido mais bonito que havia no armário e uma chávena de chá de frutos silvestres nas mãos,

sinto mais um ano a cair-me em cima.

E uns quantos fantasmas à minha volta.

02 janeiro 2008

« De mim, só me falto eu. »

Quando o frio é tanto que já nem sabes como fazer aquecer, só te resta abrir a mão para o ar. Com um bocadinho de sorte, há alguém ao teu lado que estica o braço e te agarra.
Eu estava deitada na areia, quando o céu já tinha explodido no meio da noite. Não me lembro de estar frio, como não me lembro de quantos passos dei até ir ter àquela praia. A música de fundo era horrível, mas eles estavam a adorar. E como ter pessoas felizes à nossa volta pode ser contagiante... não me queixei.
Quando fechei os olhos, não vi nada. Nem as estrelas, nem as linhas do teu rosto.
Haviam garrafas vazias perto das mochilas, a areia estava gelada, a minha roupa estava húmida e ouviam-se os risos ao longe. E foi assim que eu ali fiquei deitada mais umas quantas vidas, apenas a ouvir, até me falarem do reflexo da Lua no mar.
Sei, agora, do brilho que me fugiu... Os meus olhos não têm cintilado e já ninguém fala do meu sorriso, porque já não o reconhecem – nem mesmo eu.

Tenho saudades tuas;
mas tenho ainda mais saudades minhas.

Rezo para não me deixar acinzentar, enquanto me dou conta da cinematografia dos dias – na verdade, nunca vivi muito sóbria.
Quando abro os olhos e levanto as costas da areia, vejo que alguns dançam e cantam, outros correm, outros estão parados em jeito de meditação... Surreal, diria eu, só por graça.
Acredito que me apeteça cantar também, mas não me lembro das letras de nenhuma música. Então, quando a manhã já está quase a nascer e o frio se volta a sentir no corpo, lá estico eu o braço e estendo a mão para o ar. E vejo uma mão que me parece familiar, que agarra a minha e me puxa para cima. Sorrio de dentro para fora, porque é ele, o meu velho anjo da guarda.
– Quando te cansares das minhas loucuras, não sei quem é que vai estar ao meu lado para tomar conta de mim...