No meio deste escuro todo, deste silêncio todo, tudo parece tomar uma dimensão gigantesca. Fecho os olhos e tento concentrar-me numa imagem bonita, que nada tenha a ver contigo, mas, quando dou conta, já tu me entraste no cenário por uma qualquer razão disparatada. Chateio-me, insulto-te em pensamento e pontapeio os lençóis até ficar quase destapada.
No meu mundo, não há ninguém tão bonito como tu. As lembranças que tenho de ti são das mais brilhantes que guardo. Mesmo assim, às vezes, só queria conseguir largá-las por uns momentos, para poder descansar deste corrupio que é ter-te sempre a pairar na ideia.
Estás na caneca de leite com café que eu bebo de manhã; no sorriso dos meus pequeninos quando gritam, ao ver-me: Tita!; nas músicas que vou cantarolando nos meus percursos a pé até alguma responsabilidade; no chá bem quente que bebo ao final da tarde, no café, quando já mal sinto as mãos; no papel e na caneta com que tento escrever alguma coisa; na água que me desliza pelas costas, durante o duche que tomo ao final do dia e na minha almofada, quando estou quase a adormecer. Estás no chão que piso e no ar que beijo.
Sinto-me exausta e deixo-me mergulhar nesta saudade que me dá trincas no peito; já não posso fazer mais. Sinto a falta de todos os teus gestos, de tudo o que és. Da luz que mostras quando conversas, olhas, desejas e sorris. Quem me dera saber desenhar melhor para poder ilustrar tudo o que vejo em ti, com aqueles pastéis que sujam os dedos...
Sinto a falta dos teus catorze olhares por minuto, quando há outros, bem mais perto, capazes de quarenta no mesmo tempo. Mas o que me importa isso? Os outros são demasiado terra-a-terra e eu gosto é de ti, sonhador. Mesmo quando há uma menina que diz que são os terra-a-terra que se conseguem safar, neste mundo... Eu acredito que sem os sonhos, pouco somos.
Numa noite como esta, só queria poder telefonar-te e ouvir-te. Só queria viajar até essa cidade que te esconde atrás de fotografias e postais. Trocava todas as luzes de Lisboa por esse reencontro.
Opto, antes, por me esconder debaixo dos meus lençóis e estico o braço até à mesa-de-cabeceira. Meto os phones nos ouvidos e deixo-me consolar por meia dúzia de vozes que quase me acalmam a dor.
O dia há-de romper pelo quarto adentro e eu ainda hei-de estar estagnada na imagem do teu riso a avassalar-me o sono. Mesmo assim, não tiro a música do play, e tento adormecer com uma única certeza: