04 fevereiro 2006

Promessas.


Não me lembro do momento em que calcei os sapatos. Não me lembro de ter posto o cachecol ao pescoço. Não me lembro, sequer, do momento em que saí de casa.
E a noite estava gelada... Devia recordar-me do som da porta de casa a bater, atrás de mim. Ou do tilintar das chaves, presas pelo polegar e pelo indicador da minha mão. Mas não me recordo.
Dei por mim sentada no mesmo banco. Da mesma estação. Como se acabasse de acordar dum qualquer sono amnésico.
Dei por mim gelada. No banco da estação. Onde sempre acreditei na chegada de um comboio. E nem me lembrava se ali tinha chegado pelos meus próprios pés. Mas era o mais provável... As sapatilhas viam-se molhadas e com ar cansado.
Os meus pés sempre foram muito mais emotivos que tudo o resto. 'Devemos fazer o que a Vontade nos manda', e eles assentiam.
Tinha as mãos nos bolsos do casaco. Geladas. E nem houve vontade de as tentar aquecer. 'Canta... Com as mãos à frente da boca. Mas canta muito.'
Dei por mim sem saber cantar. Sem conhecer letras que se transformam em palavras quentes.
Dei por mim sozinha. Sentada no banco onde já tantas mãos se tinham cruzado. Até as nossas, lembras-te? É... Há muito tempo mesmo.
'Prometes-me que esperas por mim?', e eu ainda esperava. Que outra razão me arrastaria para uma estação de comboios, durante uma noite gelada de Inverno, senão a convicção da tua volta...?
Mudavam os dias, mudavam as roupas, mudavam os jeitos do cabelo. E então? Eu nunca mudava a minha vontade e crença no teu regresso.
Como uma morada, aquela estação. Um coração preso a um comboio, que não chega. Uma mão agarrada a um Adeus, que se deu preso a uma promessa.
Sabes, na verdade era só mais uma noite fria. Só mais uma caminhada até ao encontro dum sorriso desaparecido. Era só mais um sono desmemoriado, sobre a forma duma voz melódica. Que me cantava ao ouvido.
E o relógio da estação. A marcar o Tempo perdido. As ausências e as faltas.
Naquela noite, era só eu. Com os pés molhados e cansados. Com um cachecol que depressa se confundia com os cabelos. Com os bolsos de um casaco, onde se guardavam umas mãos incapazes de sentir. Com um olhar fechado, colado ao chão.
Morria sempre um bocadinho mais, por cada vez que esperava a saída do último passageiro. Na esperança da demora da tua saída do comboio só se dever à tua vontade de provocar um aumento de ansiedade, em mim. E a ansiedade aumentava. E nunca eras tu o último passageiro a abandonar o trem.
Naquela noite, o som... De mais um comboio. A chegar. E eu a sentir-me incapaz de levantar os olhos do chão. E os meus pés a sentirem-me incapazes de avançar até aos braços de mais um desengano.
Num momento, foi como se todo o frio se esgotasse...
Passos leves a aproximarem-se. Uma mochila caída no chão. O meu olhar a erguer-se. Duas mãos esticadas, a chamarem pelas minhas. As minhas mãos a deslocarem-se, tímidas, ao encontro dessas outras.
Uma voz familiar:
- Prometo-te que nunca mais as deixo gelar.

23 comentários:

Anónimo disse...

Perfeito!
daqui a pouco volto e comento tudo!
tudo que me encantou!
Beijos infinitos!

N disse...

MARAVILHOSO!! o inconsciente, os ténis molhados, as maos frias, o coração enregelado, a promessa iminente, o tempo a passar. tudo!!
encostas o meu blog a um canto!

Celi M. disse...

Gostei muito. Acho que tá diferente do que tenho lido, mais narrativo e mais melancólico. Gostei do "Canta", jah dizia o Vergilio Ferreira. =)

Anónimo disse...

Tão maravilhosas as tuas palavras, e tão ricos os detalhes, é como se na cabeça de cada um fosse surgindo a estação, como se também ouvissemos passos e como se também tivéssemos as mãos geladas. Como se todos estivéssemos no fundo,também esperando por alguém...
Beijos lindos pra você!

Anónimo disse...

oh bolas que bonito!
fez me recordar tantas coisas, tantas maos geladas, tantas eternidades, tantas conversas e promessas!


é vergonhoso dizer que chorei a ler isto?!








eu gosto de ti, mas isso tu ja sabes*
(nao consigo ler o teu comment, amor. teima em nao aparecer)

Anónimo disse...

sim amor.
deixa outro.
porque aquilo anda estupio. e nao quer k o teu apareça. (ja aconteceu isso no de outra pessoa, é uma coisa estupida.)




o unico frio k se notou, foi o frio k ele deixou dentro de mim.
e nas minhas maos.



o teu, nao.
(porque eu acho k es quentinha)




*

Anónimo disse...

eu um dia havia de gostar entrar na tua cabeça.


(e quiçá comandar essas mãos e essas sapatilhas.)

Anónimo disse...

um nome, há?

acho que nunca gostei de comentários anónimos, Sr(a) Anónimo(a).

da.rocha disse...

continuas com um caminhar nas palavras perfeito... gosto deste teu canto... beijos

Anónimo disse...

senhora =) Marta, desculpa.

Su(sana) disse...

Escreves muito bem Rita. :)

* Elas que não voltem a gelar sfv.

(Vou-te adicionar ao meu antro de baboseiras, sim? Sou a suuuuu do DA. :p)

Muáh *

Liliana Bárcia disse...

eu num início de noite também deambulei por aí, estava a chover e estava também muito frio. Percorri os mesmos caminhos que ja tinha percorrido, numa vaga esperança de encontrar os mesmos passos ainda marcados nas estradas e nos passeios. Mas não os encontrei, só mesmo frio e cabelo molhado.

Adorei ler-te.. passarei por aqui mais vezes.

beijinhos**

Ana disse...

Feliz Dia dos Namorados!*

[Eu sei que somos solteiras e boas raparigas... E depois?!]

Shadow disse...

Wooow... este texto ta lindiximo.. deu-s-m um arrepio na espinha de emoçao ao le-lo (nao ligues, ms sou mt emotiva ao ler, lol)
s ja escrevest 1 livro, diz-m o titulo para o ir comprar; se inda nao o fizest, aprexa-t pk axo k davas 1 excelente escritora! e

moon between golden stars disse...

ABRAÇO-TE...

Anónimo disse...

muito bonito rita... tens o dom de saber cantar palavras que nos deixam quentes.
beijinho

p disse...

Escreves maravilhosamente bem, Ritinha. Adoro visitar este espaço. Go on, go on! É um favor que nos fazes, continuar a escrever :) *

T. disse...

bem...

fantástico...e a última frase matou-me, pk identifikei kk coisa em mim.

=)

concordo com a madame hollywood keep going girl!**

Anónimo disse...

uma so palavra : LINDO!!
migaa tenhu saudades..tenhu mm..i as vexes ponho.me a pensar k nunca mais te vi, nunca mais falamos cm antes, nunca mais se ouviu akelas noxas gargalhadas, nunca mais te vi sorrir =( i sinto.me mal por ixo..penso k n te tenhu dado atenxao nenhuma i fico bue triste =(..as noxas vidas tambem n sao propriamente livres mas pos amigoss á smp tempo nao é? bahh nao seii..so sei k muitas vexes me sinto mal..i ao ler os teus textos faz.me lembrar certas coisas..
Afinal tamoss tao pertoo uma da outraa..mas ao mm tempo tao longe!!!

bj0o0o0o0o *

Eu aindaa gosto de ti como uma das minhas melhores amigas =)

n disse...

o zulu tem um recado para ti

www.zuludasmeiasaltas.blogspot.com

lê o regulamento

renato disse...

sem palavras...bonito sentimento...confiança estupenda...escrita impecavel...*

Débora disse...

O meu instinto falha muitas vezes, mas não agora. Ao clicar no link que me trouxe a este blog, eu estava certa. Não me desiludi. Gastei um tempo bem gasto da minha tarde para ler textos como este; lindos.
A cada linha, a sensação de que aquela poderia ser a minha história. Não é, mas eu senti-me parte dela. Isto é o que eu chamo a magia da escrita.
Excelente blog. Hei-de voltar!

SA. disse...

Cada vez que passo por aqui tenho que ler este post...
Nem vale a pena procurar palavras, porque jamais o faria da forma fantastica que tu consegues, mas enfim: Lindo!