Já o vejo ao portão de casa, à minha espera. Mal eu paro, ele apressa-se em fugir para dentro do carro. Faz o mesmo sorriso de sempre, dá-me um beijo na bochecha e começa a desbobinar as mil novidades que tem sempre por contar.
Fico a ouvi-lo falar da miúda a quem se deixou prender e deixo-me enternecer pela forma como me diz, com o mesmo sorriso da chegada: sabes, acho que finalmente, desta vez, acertei.
Já nem sei se acredito no amor dos homens (ou não consiste tudo, apenas, num interesse carnal, num aconchego de almas?), mas deixo-me iludir, porque, afinal, é essa ilusão que me faz acalentar o espírito.
Olho-o com atenção e vejo-o, agora, maior que eu. O meu amigo de infância tornou-se, quase sem eu dar conta, numa personagem de filme. Tem o dom da oratória, mas ignora-o e enrola mais um cigarro.
Vamos a um bar qualquer e ele bebe do meu copo. Fala aos outros de assuntos que eu já o ouvi falar há uma semana atrás, mas acrescenta sempre algum pormenor esquecido, o que lhe torna o discurso meio aliciante. Traz uma indiferença para com o mundo exterior pregada à pele e, ao mesmo tempo, uma simpatia insólita para quem se aproxima do nosso.
Não tocamos, juntos, em livros desde que encerrámos a época de exames; a poesia de Pessoa fá-lo deprimir, a ponto de lhe causar pensamentos pouco sãos.
Fixo-o e não consigo perceber há quantas noites não dorme o suficiente ou se passou o dia inteiro deitado. Parece que, às vezes, vive num estado de embriaguez que dá vontade de nos embriagarmos, nós próprios, nele.Já nem sei se acredito no amor dos homens (ou não consiste tudo, apenas, num interesse carnal, num aconchego de almas?), mas deixo-me iludir, porque, afinal, é essa ilusão que me faz acalentar o espírito.
Olho-o com atenção e vejo-o, agora, maior que eu. O meu amigo de infância tornou-se, quase sem eu dar conta, numa personagem de filme. Tem o dom da oratória, mas ignora-o e enrola mais um cigarro.
Vamos a um bar qualquer e ele bebe do meu copo. Fala aos outros de assuntos que eu já o ouvi falar há uma semana atrás, mas acrescenta sempre algum pormenor esquecido, o que lhe torna o discurso meio aliciante. Traz uma indiferença para com o mundo exterior pregada à pele e, ao mesmo tempo, uma simpatia insólita para quem se aproxima do nosso.
Não tocamos, juntos, em livros desde que encerrámos a época de exames; a poesia de Pessoa fá-lo deprimir, a ponto de lhe causar pensamentos pouco sãos.
As minhas noites são sempre mais protegidas quando o tenho ao meu lado, porque se me der para fugir, sei que ele não fica preso ao chão, a ver-me afastar. E porque temos sempre uma praia, juntos. Se não a tivermos logo ali, encontramo-la sempre, nem que seja só de manhã.
E, entre um ajeitar do cachecol que ele traz sempre ao pescoço e os acordes duma música qualquer, acabamos deitados na areia, a falar de coisas sem nexo. E eu não preciso de mais nada, um céu estrelado e um amigo bastam-me. Nem fotografias temos - o meu olhar fotográfico vale muito mais; não desfigura nem banaliza os ambientes.
Mas isto é só até, algures na madrugada, ele me dizer a rir: hey, vamos ao castelo!
Desaparecemos de mãos dadas e quando nos voltam a encontrar, costumamos estar perdidos, a afogar numa garrafa qualquer, o nosso cansaço da busca e a nossa tristeza de só termos encontrado um castelo de saudade.
(Tudo o resto é uma questão de dramatismo; na realidade, ninguém me sabe roubar o sorriso.)