Nasce um dia mais escuro que o resto mundo. Em vez de acordar com os raios de sol a entrarem no quarto, acordo com uma nuvem escura a bater-me no vidro da janela. Toc-toc-toc. A Rita já sai!
Lavo os dentes e o dia começa, mais escuro que o resto do mundo. O camisolão, a saia, as sapatilhas gastas e o cachecol em arco-íris, enrolado ao pescoço: nada de novo.
Saio com as olheiras por disfarçar – como em todos os dias claros – e com o cabelo a esvoaçar, enrolado em caracóis, em ondas e em nós.
A amiga de infância vê-me passar e diz que estou triste. Ainda tento disfarçar com um sorriso de improviso, mas esta é difícil de enganar. Um beijinho na bochecha, dois dedos de conversa e está o assunto resolvido...
Esfrego os olhos todo o dia e falo sozinha. A nuvem escura que me acordou à bruta molha-me satisfeita, enquanto eu piso as folhas mortas e ensopadas, perdidas pela calçada. Bebo um chá de canela e como um pastel de nata, ao mesmo tempo que engulo mais um comprimido branco. Rabisco umas frases num caderno e risco-as logo de seguida – quase me sabe bem.
Sinto a falta. Do cogumelo vermelho e dos duendes (só dos mágicos). Penso na fada amarela, a mais brilhante do meu jardim. Deve estar com as asas e o vestido ensopados... Pobrezinha.
Fico à espera do sol, em cima de um muro, para que o arco-íris apareça e faça companhia àquele que trago preso ao pescoço.
Não aparece. E a nuvem escura ri-se de mim e molha-me mais um bocadinho.
Imagino um Príncipe de caligrafia torta transformado em sapo. Sinto-o a rasgar-me os sonhos só mais uma vez, ao mesmo tempo que aponta para mim e se ri.
De olhos fechados, vejo o pequeno Principezinho – o verdadeiro – a chamar-me, no palco do teatro, de lágrimas nos olhos. Não tem uma coroa, mas tem uma espada, tão pequenina quanto ele. Peço-lhe que me perdoe, de coração apertado, e, naquele momento, sinto a dor de magoar uma criança (a mais mágica das crianças...).
No fim do dia, eu já estou na relva. Um homem aparece e beija-me a ponta do nariz. Eu não tenho reacção, até ele me pegar na mão gelada. Nesse momento, enquanto ele me olha enternecido e com todo aquele amor guardado no olhar que me dirige, eu largo-lhe a mão e dou um passo para trás. Ao mesmo tempo que lhe viro as costas, digo-lhe quase em pensamento: perdoa-me.
Perdoa-me ter de Ser sozinha, homem que mais me amou...
(Nesta altura, já o dia morreu. E o céu escuro da noite em nada se distingue do daquele dia: as estrelas não existem.
À medida que caminho para longe do homem que mais me amou [que mais me ama...], sinto-o a não sair do mesmo sítio, de pés presos à terra. Ele vê-me partir e eu sinto na pele a dor de sermos responsáveis por tudo o que cativamos.
O dia morreu mais escuro do que nasceu. E as minhas lágrimas já nem se distinguem das gotas de chuva que me molham a cara, pela nuvem mais escura.)
Saio com as olheiras por disfarçar – como em todos os dias claros – e com o cabelo a esvoaçar, enrolado em caracóis, em ondas e em nós.
A amiga de infância vê-me passar e diz que estou triste. Ainda tento disfarçar com um sorriso de improviso, mas esta é difícil de enganar. Um beijinho na bochecha, dois dedos de conversa e está o assunto resolvido...
Esfrego os olhos todo o dia e falo sozinha. A nuvem escura que me acordou à bruta molha-me satisfeita, enquanto eu piso as folhas mortas e ensopadas, perdidas pela calçada. Bebo um chá de canela e como um pastel de nata, ao mesmo tempo que engulo mais um comprimido branco. Rabisco umas frases num caderno e risco-as logo de seguida – quase me sabe bem.
Sinto a falta. Do cogumelo vermelho e dos duendes (só dos mágicos). Penso na fada amarela, a mais brilhante do meu jardim. Deve estar com as asas e o vestido ensopados... Pobrezinha.
Fico à espera do sol, em cima de um muro, para que o arco-íris apareça e faça companhia àquele que trago preso ao pescoço.
Não aparece. E a nuvem escura ri-se de mim e molha-me mais um bocadinho.
Imagino um Príncipe de caligrafia torta transformado em sapo. Sinto-o a rasgar-me os sonhos só mais uma vez, ao mesmo tempo que aponta para mim e se ri.
De olhos fechados, vejo o pequeno Principezinho – o verdadeiro – a chamar-me, no palco do teatro, de lágrimas nos olhos. Não tem uma coroa, mas tem uma espada, tão pequenina quanto ele. Peço-lhe que me perdoe, de coração apertado, e, naquele momento, sinto a dor de magoar uma criança (a mais mágica das crianças...).
No fim do dia, eu já estou na relva. Um homem aparece e beija-me a ponta do nariz. Eu não tenho reacção, até ele me pegar na mão gelada. Nesse momento, enquanto ele me olha enternecido e com todo aquele amor guardado no olhar que me dirige, eu largo-lhe a mão e dou um passo para trás. Ao mesmo tempo que lhe viro as costas, digo-lhe quase em pensamento: perdoa-me.
Perdoa-me ter de Ser sozinha, homem que mais me amou...
(Nesta altura, já o dia morreu. E o céu escuro da noite em nada se distingue do daquele dia: as estrelas não existem.
À medida que caminho para longe do homem que mais me amou [que mais me ama...], sinto-o a não sair do mesmo sítio, de pés presos à terra. Ele vê-me partir e eu sinto na pele a dor de sermos responsáveis por tudo o que cativamos.
O dia morreu mais escuro do que nasceu. E as minhas lágrimas já nem se distinguem das gotas de chuva que me molham a cara, pela nuvem mais escura.)